Pesquisador do Louvre em São Paulo

Responsável pelo setor de artes gráficas do museu parisiense, Régis Michel dá aulas, palestras e promove mostra na cidade

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Por Agencia Estado
Atualização:

Não é incomum que figuras de destaque da cena artística internacional visitem o País. O que é raro são permanências mais longas, que permitam desenvolver programas mais amplos e articulados como o ciclo de aulas, palestras e mostras que o conservador-chefe do Departamento de Artes Gráficas do Louvre, Régis Michel, vai oferecer ao público paulistano nas próximas semanas. Em vários encontros promovidos na ECA-USP, Cinemateca Brasileira, Centro Universitário Maria Antonia e Pinacoteca do Estado, ele vai desdobrar alguns temas e abordagens que já renderam exposições ousadas e polêmicas como Possuir e Destruir - Estratégias Sexuais na Arte do Ocidente (2000) e Pintura como Crime (2001). Mesmo trabalhando há duas décadas na mais tradicional instituição museológica da França, ele se contrapõe de maneira contundente à tradicional história da arte e busca uma leitura mais rica da obra de arte, contrapondo uma observação atenta do documento visual a um vasto arsenal de referências teóricas, provenientes de campos distintos como a filosofia, a antropologia e a psicanálise. Investiga a obra de figuras míticas como Greuze, David e Delacroix ou de artistas como Otto Muehl e Gunther Brus que, reunidos sob o título de Acionismo Vienense, radicalizaram a utilização do corpo como suporte da criação artística realizando performances nas quais colocavam em risco sua própria segurança. Ou então se dedica a mostrar a vídeoarte como a mais interessante forma de expressão artística da atualidade. Confronta épocas, linguagens e reflexões distintas, em busca de pistas, sempre tendo como ponto de vista da contemporaneidade. "Trabalhamos com uma série de mitos. Nossa única forma de conhecimento é trabalhar com uma série de espelhos, evidentemente deformantes", explica. É o caso, por exemplo, da confrontação entre uma seleção de trabalhos de Greuze (1725-1805) e a releitura de obra A Religiosa, de Diderot, a partir do filme homônimo de Louis Rivette (1966). Pouco a pouco, na primeira de uma série de aulas a serem dadas em maio no auditório da ECA-USP, ele foi desmontando o mito de que Greuze seria "o pintor da família, da virtude e da sensibilidade". Freud, Foucault, Deleuze, entre outros autores a quem recorre com freqüência, o ajudam a mostrar como o pintor do velho regime torna a perversão uma norma, revela em suas telas "o sintoma inquietante de um superego devastador", cria a primeira imagem na história dessa família sórdida e moderna, marcada por uma potência destruidora e dominadora do pai. "Não é o contemporâneo de Diderot e Rousseau, mas de Sade", resume. Nas próximas quartas-feiras, sempre às 14 horas (a entrada é franca) ele volta a Sade e o contrapõe a David e Marat; discute o masoquismo ou a tortura do feminino em Delacroix; o canibalismo em Géricault; ou o sadomasoquismo na Body Art. As duas exposições programadas para quinta e sexta-feira no Centro Maria Antonia também lidam com essa rica leitura que contrapõe história e contemporaneidade, que busca desenvolver um olhar crítico sobre o fenômeno estético. Uma das questões mais fascinantes que norteiam a reflexão de Michel é o medo que temos das imagens. "Quanto mais temos imagens, menos as olhamos e menos as entendemos", afirma ele defendendo a importância de nos debruçarmos sobre esse arsenal de informações que não apenas são documentos históricos como servem como revelação de nossos próprios sintomas, de questões como o lugar da mulher na sociedade, o papel da ideologia, etc... A nova imagem Às terças, também até a última semana de maio, ocorrem as palestras do segundo curso, intitulado A Nova Imagem. Neste ciclo abrigado pelo Cinusp, Michel vai trabalhar com a linguagem que mais lhe interessa no momento: a videoarte. "Trata-se de uma arte da qual falamos muito e vemos pouco. E quando mostramos, normalmente é o que há de pior", afirma o curador de forma ácida. Para ele, parte da dificuldade que se tem em relação a esse tipo de arte da imagem em movimento se deve a uma vasta produção sensacionalista, mas de baixa qualidade, que abunda nas mostras e bienais pelo mundo afora. E parte da enorme dificuldade das instituições de lidar com esse tipo de obra. "Os museus estão fechados em suas velhas estruturas, têm poucas coleções e normalmente mostram mal esse tipo de trabalho, tratando-o ou como cinema ou como material de arquivo, o que é ainda pior", afirma. Sua seleção inclui artistas pouco conhecidos no País, como Steve McQueen, Chen Chieh-Jen, Gillian Wearing, Harun Farocki, Sam Taylor-Wood e deve também ser exibida em mostra na Cinemateca. "São imagens fortes, importantes pelo seu conteúdo político, narrativo, poético, que representam o que se produz de mais importante hoje", afirma Michel, que prepara para daqui a algum tempo no Louvre uma exposição apenas de filmes de arte. Com pouca tradição de reflexão e enfrentando resistência tanto no campo do cinema quanto da arte, a videoarte é vista no entanto pelo pensador francês como uma das poucas maneiras de escapar desse "apego frenético às artes do passado, da obsessão pelas categorias exangues que constata no campo das belas-artes". A crise das instituições, vítimas de seu próprio gigantismo e de sua transformação em oficinas de turismo - fenômeno mais radical em países como a França - será discutida em mesa-redonda na Pinacoteca do Estado. Organizada pela Escola de Comunicações e Artes, numa parceria entre o Departamento de Artes e o de Cinema, e patrocinada pela Fapesp, a visita de Michel também tem como contrapartida um maior conhecimento do pesquisador - que recusa o título de curador ou comissário e prefere ser tratado como "autor" - do cenário brasileiro. Mesmo não se tratando da primeira visita de Michel ao Brasil, que chegou até mesmo a realizar um dos segmentos da 24ª Bienal de São Paulo (1998), trazendo ao Brasil um belíssimo estudo do Naufrágio do Medusa, de Géricault, ele considera uma oportunidade única romper com o tradicional sistema de "conferências de passagem", descobrir o que pensam os estudantes brasileiros e, ao mesmo tempo, mostrar como é possível romper as fronteiras limitadoras entre as disciplinas, linguagens e pensamentos, por meio de uma reflexão precisa, contundente, mas sem pressa. Duas lições a serem retidas. Seminários com Régis Michel. ECA. Av. Prof. Lucio Martins Rodrigues, 443, 3091-4096. 4.ª, 14h. Cinusp Paulo Emílio. R. do Anfiteatro, 181, 3091-3540. 3.ª, 14h. Até 30/5; Centro Universitário MariAntônia. R. Maria Antônia, 294, 3237-1815. 5.ª, 6.ª; sáb. (6) e 2.ª (22), 20h. Grátis (necessário inscrição prévia)

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