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Perto do mito

Sai no Brasil edição revista de obra de Robert Shelton, o jornalista que 'descobriu' Bob Dylan em 1961

Por Raquel Cozer
Atualização:

O rapaz de 20 anos refletiu por dois instantes: "Bob Dylan, Bobby Dylan, Bob Dylan, Bobby Dylan... Escreva Bob Dylan! É como quero ficar conhecido." Transcorria a última semana de setembro de 1961, e o músico, após um show no clube Gerde"s Folk City, em Greenwich Village, falava pela primeira vez à imprensa. O entrevistador era um amigo recente, habituée da cena folk nova-iorquina, Robert Shelton (1926-1995) - que, dias depois, publicaria no New York Times: "Suas roupas podem estar precisando de ajustes, mas, quando ele toca violão, gaita ou piano, não restam dúvidas de que está arrebentando de tanto talento". À resenha se seguiu um contrato do então anônimo músico com a poderosa Columbia, mas os bastidores daquela noite e de inúmeras outras nos anos 60 - que outros biógrafos puderam só apurar, em vez de vivenciar - foram conhecidos apenas em 1986, quando Shelton enfim conseguiu publicar No Direction Home, projeto acalentado por duas décadas.E só agora, 50 anos após aquele primeiro texto, passados 26 anos da morte do autor e no mês em que o compositor de Blowin" in the Wind e Like a Rolling Stone completa 70 anos (no dia 24), a biografia sai nos EUA tal como Shelton a concebeu. Revisada por Elizabeth Thomson, amiga que acompanhou os anos finais de edição, é também a primeira versão a sair por aqui, pela Larousse do Brasil, no próximo dia 15."Shelton sempre disse que a biografia havia sido "resumida sobre águas turbulentas"", disse Thomson ao Estado. "O livro terminaria com a turnê de 1978. Como a edição demorou, ele teve que atualizar até os anos 80, que não era uma boa fase de Dylan, e ele não tinha muito o que dizer. O forte eram os anos 60, quando Dylan e ele saíam juntos. Boa parte foi cortada em 1986 para que o livro tivesse tamanho aceitável."Íntegra. A nova edição, com consideráveis 768 páginas, é bem mais detalhada sobre os anos 60 e termina como Shelton queria, em 1978. Um ponto alto é a descrição de um voo no avião particular de Dylan, em 1966, quando uma exclusiva era chance rara para qualquer jornalista. A edição de 1986 deixou a situação "formal e entediante", segundo Thomson. "Não dava a dimensão do que era aquele homem acelerado, por bebidas, drogas ou o que fosse, falando sem parar."No livro, Shelton descreve: "O ritmo do discurso e a vitalidade dos pensamentos passaram a inflamar Dylan. Seus olhos estavam despertos quando ele prosseguiu: "Pergunte qualquer coisa que respondo. Agora temos algo muito claro em relação ao livro. Darei a você quanto puder do meu tempo. Você pode me enrolar, mas nunca vou perdoar se fizer isso, cara"".Na nem sempre confortável posição de amigo, o que assumidamente interferiu em análises na biografia, Shelton manteve acesso a Dylan enquanto outros repórteres se debatiam em entrevistas de resultados dadaístas (aquelas famosas, com perguntas e respostas do gênero "Sobre o que é seu livro?" "Anjos"). O jornalista testemunhou inclusive a origem da aversão do amigo à imprensa: uma reportagem da Newsweek, de 1963, que localizou os pais de Dylan, com quem ele não falava havia anos, e revelou seu nome real, Robert Zimmerman.Shelton também viria a falar com a família, criando retrato pungente das discrepantes lembranças de Dylan e de seus pais em relação aos tempos em que ele vivia em Minnesota. Mas isso após pedir autorização, como fez também antes de entrevistar Suze Rotolo, a namorada eternizada na capa de The Freewheelin" Bob Dylan (1963). A esse pedido de Shelton, Dylan respondeu: "Ela sabe mais do que ninguém que, em 1961 e 1962, quando não tinha ninguém por perto, eu tocava aqueles velhos discos de Elvis Presley. Na verdade, eu disse a ela para nunca falar com ninguém. Mas, se você quiser falar com ela, tudo bem. Só não a pressione, ok? Todos a pressionam".

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