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Personagens são distorcidos em série da "Globo"

Por Agencia Estado
Atualização:

A minissérie da "Globo", "O Quinto dos Infernos", de Carlos Lombardi, anunciada como uma versão bem-humorada da História do Brasil, vem sendo reprovada por historiadores desde a estréia, no dia 8. Para eles, trata-se de uma pornochanchada, devido ao uso de nus masculinos e femininos e à linguagem escrachada, que está muito distante da verdade dos fatos. A série garante 30 pontos no ibope, uma média respeitável para o horário das 22 horas. A distorção dos fatos históricos é o que preocupa os historiadores. Por meio do achincalhe, Lombardi faz uma caricatura dos personagens, retirando-os do contexto da época. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP), Elias Tomé Saliba, a série apenas repete estereótipos grosseiros. "Dom João VI é visto apenas como um glutão, Carlota Joaquina como uma devassa e o marquês de Marialva surge como uma eminência parda." Para Mary del Priore, também da USP, as figuras históricas representadas na série são apenas caricaturas. "Essa imagem foi inspirada na bibliografia republicana e positivista do final do século 19 que, para afirmar a identidade do novo regime, enxovalhou o anterior." Ronaldo Vainfas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa que uma caricatura não é construída de uma hora para outra, ela surge a partir de situações e fatos. "É uma amplificação de traços críticos, às vezes ligados à História, outras, à memória." "O Quinto" apresenta d. João VI como uma criatura apática, sem opinião, covarde, à mercê dos acontecimentos. Mas, tanto para Saliba como para o professor Jobson Arruda, o comportamento de d. João foi uma saída estratégica diante das pressões que sofria. "A neutralidade foi uma atitude sábia para lidar com a disputa exercida pelas duas potências, França e Inglaterra", explica Arruda. Sobrevivência - De acordo com Saliba, o comportamento ambíguo de d. João possibilitou a sua sobrevivência. "Foi uma figura central para a compreensão do período. O imperador vivia entre a decadência e a crise da monarquia e enfrentava as pressões internacionais; a sua personalidade e suas atitudes permitiram a vinda da corte portuguesa e ele foi ainda um gestor do Estado brasileiro." Vainfas entende que o imperador foi a salvação de Portugal diante de Napoleão. "A caricatura distorce a sua importância, ele conseguiu manter o Estado português e a unidade territorial no Brasil." E Mary complementa: "D. João fez muito pelo País: criou a Imprensa Régia, o Banco do Brasil e trouxe a missão francesa que promoveu uma série de mudanças no campo das artes." Vainfas defende que uma das raízes desse tipo de visão distorcida foi a imagem negativa criada na época. "Quando a corte chegou ao Rio de Janeiro, muitas pessoas foram expulsas de suas casas para dar lugar à nobreza. Pregavam as letras ´P´ e ´R´ nas portas - que significava a tomada do imóvel para o príncipe regente - o que a população transformou em anedota e criou a expressão ponha-se na rua." D. João também era adepto de algumas modas românticas, como o piquenique, o que para a sociedade brasileira da época foi um verdadeiro choque, uma vez que comer no chão, ao ar livre e com as mãos era um hábito de escravos. D. Pedro - Também d. Pedro I poderia ter recebido um tratamento mais sério. Na minissérie, o príncipe interpretado por Marcos Pasquim aparece boa parte do tempo vestindo ceroulas. A idéia é apresentar um personagem conquistador e muito sensual. "Há registros dos traços compulsivos de d. Pedro, porém, se analisarmos os Bourbons, por exemplo, encontraremos mais escândalos, mas a questão não é essa. Ele não foi apenas um conquistador, foi um articulador político das elites, que assumiu o processo da Independência", afirma Saliba. "Posso afirmar que pesquisas recentes, com base em uma documentação inédita, atestam que foi d. Pedro, ele mesmo, o grande articulador da Independência. Foi ele quem fez a "costura" do movimento que decidiu os destinos do Brasil", conta Mary.

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