Peça terá depoimento inédito de Jorge Amado

O diretor Darci Figueiredo vai remontar sua adaptação de O Menino Grapiúna, que incorpora agora 15 minutos de entrevista com o escritor baiano, exibida em telão

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Por Agencia Estado
Atualização:

O escritor Jorge Amado teve ao longo de seus 88 anos de vida muitas de suas obras literárias adaptadas tanto para a televisão como para o cinema. Algumas adaptações são antológicas como as novelas Gabriela Cravo e Canela e Tieta e o filme Dona Flor e Seus Dois Maridos. Já o teatro não foi palco tão privilegiado das histórias de um de nossos mais famosos autores. É essa faceta mais desconhecida do autor que o diretor e ator teatral Darci Figueiredo vai trazer à tona meses depois da morte do escritor. Figueiredo adaptou um dos livros menos conhecidos de Amado, O Menino Grapiúna, pequena pérola da extensa bibliografia amadiana, livro no qual o autor conta em linguagem poética a sua infância até o momento em que se tornou um autor de ficção. "Minha idéia principal ao fazer a adaptação foi mostrar um lado mais desconhecido de Jorge Amado, sem aquele estereótipo baiano que as adaptações de sua obra trazem", conta Figueiredo, que já encenou a peça em 1993 e pretende relançá-la. Na época da primeira montagem, a idéia do diretor agradou em cheio ao autor, que veio diretamente da França, onde morava, para a estréia da peça dirigida, adaptada e encenada por Figueiredo. A estréia ocorreu no dia exato do aniversário de 81 anos de Jorge Amado, em Ilhéus, na Bahia, uma das cidades mais presentes na obra do autor. Após a apresentação da peça, o autor acompanhado de sua mulher, a escritora Zélia Gattai, e de sua filha Paloma Amado, além de seu irmão e de amigos de longa data, subiu ao palco para agradecer à homenagem. Esse discurso foi gravado em vídeo e permanece inédito até hoje. "A idéia era que ele subisse ao palco, dissesse algumas palavras, apagasse as velinhas do bolo que estava lá e pronto", conta Figueiredo. "Mas ele ficou tão emocionado com a peça e com o fato de estar em Ilhéus que falou por 15 minutos e esqueceu das velinhas, que derreteram em cima do bolo", lembra o diretor. Durante os 15 minutos em que esteve no palco o autor discorreu sobre sua infância, rememorou lugares por onde passou em Ilhéus e nas cidades próximas e confessou que as prostitutas foram figuras essenciais à sua vida. "Isso está presente em suas obras e também no Menino Grapiúna, em que ele conta como entrou em contato precocemente com o universo do bordel, onde as prostitutas o tratavam como um filho, fato que o marcou para sempre", conta Figueiredo. "Mas no vídeo é muito engraçado ver ele sair de um discurso emotivo para lembrar disso." Para que o público em geral tenha acesso ao vídeo inédito, o diretor pensa em colocá-lo em um telão no início da montagem. "Quando a peça estreou em 1993 ele estava lá sentado na platéia. Com o vídeo poderei ter e passar essa sensação para os que estiverem presentes", garante. Assim como o vídeo, a adaptação é praticamente inédita, pois só ficou em cartaz durante uma semana em Ilhéus e mais uma em Itabuna, terra natal de Jorge Amado. "Tínhamos a idéia de vir para São Paulo, mas o patrocínio acabou não saindo", ressalta o diretor. Por conta dessa temporada que nunca ocorreu, o diretor sempre teve em mente retomar o projeto, idéia que ganhou mais fôlego no início deste ano. "Mas aí fui fazer um trabalho de preparação do elenco indígena do filme Desmundo, do diretor Alain Fresnot (em fase de montagem) e adiei o projeto", conta. "Quando o trabalho acabou, fiquei mais certo da relevância dessa peça, que mostra muito bem o espírito brasileiro." No entanto, nesse ínterim, o diretor foi surpreendido com a morte de Amado. "Chorei uma noite inteira pensando que nesse momento não teria como reerguer o projeto", conta Figueiredo. "Mas aí tomei coragem e liguei para a família Amado e rapidamente Paloma, filha de Jorge, entrou em contato comigo e autorizou a remontagem do espetáculo", orgulha-se. "O que encantou Jorge foi o fato de eu colocar seu universo dentro de um conceito moderno, no qual não há baianas vestidas de rendas e coqueiros, mas mulheres pintadas de azul e vermelho, representando a bandeira da Bahia", conta. "Isso será mantido, mas quero trazer mais elementos da atualidade para os adereços que uso em cena." Foi o viés mítico e brasileiro da narrativa de O Menino Grapiúna que levou Figueiredo a se interessar pelo livro. "Em uma linguagem simples, mas muito poética o autor nos mostra com imagens fortíssimas o universo fabular do interior da Bahia do início do século, com seus coronéis, suas crendices e seus seres fantásticos", enumera Figueiredo. Além do vídeo inédito com o depoimento de Jorge Amado o diretor guarda também como relíquia uma carta de próprio punho do autor concedendo os direitos da adaptação de seu livro para ele. Para que a nova montagem aconteça o mais rapidamente possível, Figueiredo já começou a montar o projeto. O elenco ainda não está fechado. Outra preocupação do diretor é o patrocínio. "Quero definir o elenco logo, para que juntos façamos a produção e captação de recursos para que a peça já entre em cartaz no primeiro semestre do ano que vem", planeja Figueiredo. "Tenho vontade de viajar com a peça pelo País como faz a obra de Jorge, o que é possível, já que a encenação privilegia o lúdico, pondo no palco só um ator, representando Jorge Amado e duas mulheres que fazem as vezes dos outros personagens", descreve.

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