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Peça retrata garota que contrai o vírus da Aids aos 16 anos

'Depois Daquela Viagem', assinada por Dib Carneiro Neto, estreia nesta terça-feira no Sesc Consolação, em SP

Por Maria Eugênia de Menezes - O Estado de S.Paulo
Atualização:

A morte está à espreita. Mas é de vida que se está a falar. Em Depois Daquela Viagem, espetáculo que estreia hoje no Sesc Consolação, lida-se com um tema espinhoso: a história de uma menina que contrai o vírus da aids aos 16 anos. O que se apresenta no palco, contudo, não é uma sentença de finitude. Antes, fala-se da possibilidade de se aprender a lidar com esse fardo. E com as limitações que ele traz.Assinado por Dib Carneiro Neto, o texto é uma transposição teatral do livro homônimo. Nele, Valéria Piassa Polizzi relata sua própria experiência com a doença. Como descobriu-se soropositiva aos 18 anos e qual o impacto do fato em sua vida desde então. A obra, que foi lançada em 1997, rapidamente tornou-se um best-seller. Vendeu cerca de 300 mil exemplares no Brasil. Mereceu traduções em países como Itália, Alemanha e México. Transformou sua autora em uma militante na luta pela prevenção.Não é a primeira vez que Dib, ex-editor do Caderno 2, aventura-se na adaptação de obras literárias para a cena. Foi assim com Crônica da Casa Assassinada - versão do célebre romance de Lúcio Cardoso, atualmente em cartaz no Sesc Vila Mariana. E também já havia sido esse o caminho trilhado em Salmo 91: versão de Estação Carandiru, título de Drauzio Varella, que lhe valeu o Prêmio Shell de melhor autor em 2008.No caso de Depois Daquela Viagem, porém, dois dados chamam a atenção. Primeiro, o tempo que o texto levou para sair da gaveta. Mais de dez anos. Depois, a relação estreita que o dramaturgo estabeleceu com Valéria na hora de compor a peça. Escrita uma primeira versão, eles seguiram conversando para acertar arestas. A intenção era chegar a uma versão que se aproximasse da verdade. Mas que também não resvalasse na mera propaganda pela prevenção. "Nunca quis fazer aula de educação sexual. Isso torna tudo muito chato. Esse ranço de mensagem, de lição de moral. Estou fazendo teatro", observa o dramaturgo.Foi assim que essa problemática viu-se restrita a apenas uma das cenas da montagem. O que merece o primeiro plano é a jornada de compreensão e aceitação dessa personagem. "Quando comecei a escrever a questão ainda era cercada por muito preconceito. A palavra aids era praticamente sinônimo de morte", lembra Valéria. "E, durante uma viagem aos Estados Unidos, descobri que lá eles já estavam tratando tudo isso de uma outra maneira. Falando de pessoas vivendo com HIV. Mostrando outra realidade."Para contar essa saga, Dib valeu-se de alguns recursos que não estão na obra que lhe deu origem. Um deles é a repartição da protagonista, que aparece encarnada por três atrizes distintas. "Quando uma pessoa recebe uma notícia dessas, ela se esfacela. Tive a impressão de que a Valéria se dividiu", considera o autor. "Havia aquela que se tornou muito emotiva e se voltou para o passado. Outra, que teve de arregaçar as mangas e enfrentar os médicos, os consultórios. E, por fim, a pessoa livre que ela sempre foi. Com vontade de viajar o mundo."Extravasar a questão da aids e refletir sobre outras manifestações de preconceito. Eis uma ambição que permeia o livro e que também atravessa o espetáculo. Na encenação, conduzida por Abigail Wimer, um grupo de 14 adolescentes retrata diferentes formas e fontes de discriminação. "Tem tudo a ver com essa noção de bullying, um conceito sobre o qual nem se falava quando o livro foi escrito", lembra Carneiro Neto.Tempos que se misturam e se confundem são um recurso do qual o dramaturgo já se valeu em outras criações. E que voltam à baila na atual montagem. "Gosto de embaralhar a cabeça do público", ele admite. "Ainda mais jovem. É muito mais interessante que se saia com um monte de dúvidas do que com uma historinha com começo, meio e fim."SERVIÇODEPOIS DAQUELA VIAGEMTeatro Anchieta. Rua Dr. Vila Norva, 245, tel. 3234-3000. 4ªandar, 20h; 5ª 15h e 20h. Até 20/10. R$ 10

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