PUBLICIDADE

Peça relembra as vítimas da ditadura

Descoberta de ossadas em Perus, muitas delas de prisioneiros políticos do regime militar, foi a inspiração inicial do espetáculo Pai, de Izaías Almada, que estréia amanhã, no CCSP

Por Agencia Estado
Atualização:

Apressada, a mulher corre para atender ao telefone. Atônita, ouve em silêncio o que lhe informam do outro lado da linha. Em poucos segundos, em poucas palavras, a esperança dela e a da filha se esvai: o corpo do marido desaparecido e que elas julgavam ainda vivo foi encontrado em uma cova clandestina. O impacto marca as cenas iniciais de Pai, peça de Izaías Almada que estréia amanhã no Centro Cultural São Paulo. A inspiração veio da realidade, a partir da descoberta, em 1991, de centenas de ossadas em uma área escondida do Cemitério de Perus. Em muitos casos, tratava-se de prisioneiros da ditadura. "Usei o fato para escrever uma peça em homenagem aos desaparecidos políticos do Brasil", justifica o autor. "Pai retoma, para mim, a trilha de uma dramaturgia que andava afastada dos nossos palcos: o drama de conflitos sociais e psicológicos motivados pela alienação política." Sem o ente querido, mãe e filha passam a discutir a própria relação. Para evitar que o espetáculo se resumisse ao conflito familiar, o diretor Marcelo Braga decidiu acentuar seu cunho político. A inspiração surgiu quando visitava a exposição Intolerância, de Siron Franco, que reabriu o prédio do antigo Dops, no ano passado. Inspirado no atentado terrorista de 11 de setembro em Nova York, o artista goiano empilhara uma série de bonecos vestidos com roupas compradas em brechós, revelando seu inconformismo. "Fiquei tão impressionado com a semelhança com o nosso propósito que telefonei para o Siron, convidando-o a participar do projeto", conta Braga, que lhe enviou uma cópia da peça. Interessado no assunto, o artista decidiu participar, mesmo não conhecendo o trabalho do grupo. Na semana passada, Siron veio a São Paulo para montar uma instalação que ficará no caminho da platéia até o espaço cênico. Assim, até chegar ao seu lugar, o público passa por bonecos espalhados pelo chão e pelas paredes, assim como fotos individuais do próprio grupo, simulando corpos abandonados. Ao redor, o artista colocou teresas, que são os panos amarrados pelos presos quando pretendem fugir. "Pedi também que a trilha sonora mostrasse ruídos que provoquem lembranças de uma prisão", conta Siron. Além do trabalho do artista plástico, é projetado também um vídeo que mostra cenas documentais do País dos anos 60 e 70. "Queremos refrescar a memória de quem esqueceu e ajudar aqueles que não sabem o que aconteceu naquele período", conta Braga. Pai. De Izaías Almada. Dir.: Marcelo Braga. Para chegar ao palco, o público percorre caminho criado por instalação do artista plástico Siron Franco. De 3.ª a sáb., às 21 h; dom., às 20 h. R$ 10,00. Centro Cultural São Paulo - Porão. Rua Vergueiro, 1.000, tel. (11) 3277-3611. Até 27/3.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.