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Peça mítica de Nelson Rodrigues ganha nova montagem

Diretor Brian Penido mostra em Dorotéia clima irreal e luta entre vida e morte

Por Agencia Estado
Atualização:

As universidades não cumpririam o seu papel se apenas formassem profissionais capazes de lidar com o conhecimento vigente - cabe a essas instituições ampliá-lo. Não basta formar médicos e bioquímicos, por exemplo, é preciso manter departamentos de extensão e pesquisa para o aperfeiçoamento e a criação de tratamentos e remédios. Nas artes cênicas é a mesma coisa, mas compreender a necessidade de pesquisa nessa área é bem mais difícil tanto para as autoridades - até mesmo da área cultural - quanto para a academia. Na cena paulistana, pesquisa e inovação são responsabilidade sobretudo de grupos e companhias independentes. Professor no curso de artes cênicas da Universidade Anhembi-Morumbi, o ator e diretor Brian Penido decidiu criar por conta própria um núcleo de pesquisa, espécie de extensão universitária informal. Para isso, convidou alguns alunos que com ele se formaram a partir de 2003. Depois de dois anos de trabalho - que ganhou apoio da universidade, que cedeu, por exemplo, espaço em suas instalações -, o grupo batizado Das Dores apresenta agora um primeiro resultado cênico de sua pesquisa, a montagem de Dorotéia, de Nelson Rodrigues, que estréia sábado no Viga Espaço Cênico. Um dos atores fundadores do longevo Tapa, companhia que já levou ao palco Viúva Porém Honesta, Vestido de Noiva e A Serpente, Brian Penido tem bastante familiaridade com a dramaturgia de Nelson Rodrigues. "No Tapa a gente estudou toda sua obra", diz. "Meu desejo é dirigir as peças míticas de Nelson: Álbum de Família, Anjo Negro..." Dorotéia é então a primeira delas. Como nas demais citadas por Brian, a atmosfera dessa peça nada tem de realista. "De saída, ele descreve o ambiente como uma casa sem quartos, só com salas, habitadas por mulheres que não dormem nunca, através dos anos", observa. "É a peça mais abstrata de Nelson e também a mais contemporânea. Fala de mulheres reprimidas, que nem dormem para não ter sonhos libidinosos. O fundamentalismo com toda sua violência reprime o feminino. E a peça começa com alguém pedindo abrigo entre diferentes, e sendo por isso rejeitado." No ambiente irreal de uma casa cheia de mulheres vestidas de negro, submetidas ao poder da autoritária matriarca D. Flávia (Paloma Galasso), quem vem pedir abrigo é a parenta distante Dorotéia (Giovanna Ghiurghi), espécie de ovelha negra (a única da família que jamais sentiu náusea pelos homens) que agora busca ser aceita. "Num primeiro momento ela é rejeitada, mas depois será aceita com condições: precisará mutilar seu próprio corpo, encher-se de chagas, tornar-se feia. Na minha visão todo o texto é um embate entre vida e morte." Tal concepção se traduz em imagens desde a cena inicial, quando o público acompanha uma projeção na qual Dorotéia caminha por um cemitério à procura de algo. Subitamente, lê um nome num mausoléu e bate à sua entrada como se fosse a porta de uma casa. Enquanto tal imagem projeta-se no fundo do palco, D. Flávia e as demais mulheres da família movimentam-se lentamente formando lúgubres esculturas humanas até o momento em que Dorotéia chama na porta da casa. No elenco, além das sete atrizes do grupo de trabalho, estão dois atores experientes, Uryas Garcia e João Carlos Luz, especialmente convidados por Brian para integrar o espetáculo. "Não há homens no original, mas na encenação eles aparecem como fantasmas." Dorotéia. Viga Espaço Cênico. R. Capote Valente, 1.323, 11-3801- 1843. Sábado, 18 h. Dom., 21h30. R$ 10 (valor único). Até 25/2

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