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Peça "Mano" se perde em clichês

Dirigido pelo premiado Naum Alves de Souza, o espetáculo tenta ensinar cidadania a adolescentes

Por Agencia Estado
Atualização:

Violência, miséria, desigualdade, reestruturação familiar, drogas, sexualidade, consumismo, cidadania. Esses são alguns dos temas do espetáculo Mano, em cartaz no Sesi, para uma faixa etária dos 8 aos 18 anos, ou seja, para um público jovem, carente desse tipo de espetáculo voltado para seus interesses temáticos específicos. O problema é que falta a Mano ser bom teatro. Sendo mais rigoroso, talvez falte a Mano ser teatro. O diretor Naum Alves de Souza adaptou para o palco quatro livros de Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto (Mano Descobre o Amor, ...a Liberdade, ... a Solidariedade e ...a "Diferença), mas errou na mão em ritmo, agilidade, graça e objetividade - ingredientes fundamentais no trato com adolescentes. Naum dá a impressão de ter-se perdido com tanto material editorial e deixou faltar o que seria crucial (e o que ele sempre soube ensinar com louvor em toda a sua bem-sucedida e premiada carreira): muito interessado em falar desta vez a língua do jovem, ele não estabeleceu a magia do teatro, a carpintaria específica do palco, a fantasia dramatúrgica que é bem diferente da linguagem de videoclipe, da televisão ou da Internet. Ao contrário do que sabe fazer muito bem, o que ele conseguiu aqui foi uma novelinha barata, com elenco sem expressão e um naturalismo digno de capítulo de Malhação. Os personagens são mal desenvolvidos, verdadeiras caricaturas ambulantes: a empregada desbocada (falsamente integrada ao núcleo da família, como nos piores programas humorísticos da TV) os pais milionários-excêntricos com seu filho mimado-drogado, os velhos bichos-grilos esotéricos da Vila Madalena, a intelectual de classe média sempre às voltas com uma tese interminável de doutorado e assim por diante. Clichê atrás de clichê, preconceito atrás de preconceito. E toda essa gente de estrutura pífia tromba no palco sem nem oferecer ao público uma cena sequer de natureza essencialmente teatral, aquela mágica que faria os jovens saírem do Sesi com a certeza de terem visto algo diferente do que vêem todo dia na TV. Mas não, é a mesma linguagem, são os mesmos truques. Um exemplo de deslize na fala incorreta e preconceituosa nessa peça com a "boa intenção" de ser socialmente responsável, é quando a amiga vizinha defende-se na hora de recomendar um livro para o personagem Mano: "Não é de auto-ajuda, você acha que eu leria um livro de auto-ajuda??!!" Ué, mas a peça não deveria ensinar diferenças, tolerâncias, convivências? Armadilha - O ranço de moralismo vai do começo ao fim, às vezes subliminar, às vezes escancarado. A lição de que só o amor constrói e só com amor a gente vence nossos desajustes pode ser muito bela, mas, mal resolvida como está, a peça vira uma armadilha ideológica perigosa, sobretudo porque os colégios burgueses paulistanos já começam a fazer suas reservas de sessões para os alunos e, com isso, seus dirigentes pedagógicos livram suas consciências ao achar que estão proporcionando programa educativo duplo à galera de indomáveis "filhinhos de papai": levam ao teatro e ensinam cidadania. Mas que cidadania? Ir morar uns dias com os mendigos na rua, só para fugir da namoradinha que te flagrou na festa aos beijos e amassos com outra "mina"? Internar o filho envolvido com drogas numa clínica linda, cheia de espaço verde, como diz a personagem da mãe dita intelectual? Ou vestir-se da mais hipócrita nobreza e levar o amiguinho problemático (leia-se drogado) de seu filho para passar um fim de semana em casa? Serão essas as lições de cidadania de Mano? De quebra, no meio de todo esse equívoco de boas intenções, ainda há espaço até para uma proposta urbanística concreta: embelezar a metrópole fazendo as crianças pintar azulejos de cerâmica. Puxa, não é tocante? Mas cadê o teatro? Outro pecado mortal de Mano diz respeito à trilha sonora. A linguagem musical é um trunfo quando se quer atingir os jovens e chegar até eles sem atalhos. Mas em Mano não há casamento de música com texto. As canções escolhidas por Sérgio Bizetti podem até ser moderninhas e o são (rock, techno, hip-hop pop), mas elas não alinhavam as cenas, não dialogam com o público, não emocionam, não fazem nada. A trilha não tem expressão própria, é só um apêndice, um fundo musical para a moçada. Nesse sentido, Bizetti tem muito o que aprender com as trilhas da encenadora Débora Dubois para seus espetáculos jovens (como Motorboy, em cartaz na temporada anterior do mesmo Sesi). Para arrematar o completo desastre, o final de Mano é absolutamente previsível e boboca. Quem viu Marieta Severo, muitos anos atrás, na arrepiante cena que encerra No Natal a Gente Vem Te Buscar, obra-prima do repertório de pérolas de Naum, sabe que ele teria talento de sobra para criar algo melhor. Fazer teatro jovem e para jovens é muito mais do que um pueril beijo na boca em forma de videoclipe. Serviço - Mano. Sábados e domingos, às 15 horas. Entrada franca (os ingressos devem ser retirados com 1 hora de antecedência). Teatro Popular do Sesi. Avenida Paulista, 1.313, São Paulo,tel. 3284-3639. Até 30/6

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