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Peça é viagem ao Brasil dos anos 50

Estréia amanhã em São Paulo o monólogo interpretado por Regina Braga Um Porto para Elizabeth Bishop, que aborda o período que a poeta americana viveu no País

Por Agencia Estado
Atualização:

O calor escaldante ou o incômodo hábito de os habitantes andarem sem camisa - a poeta americana Elizabeth Bishop não sabia o que mais a incomodava, ao desembarcar no Porto de Santos, em 1951, uma parada que deveria ser breve durante uma viagem de circunavegação em torno da América do Sul. Deveria, mas não foi: Elizabeth, uma das vozes mais lúcidas da poesia norte-americana contemporânea, venceu logo o estranhamento e viveu no Brasil até 1966, período decisivo para o amadurecimento de seus versos e que inspirou a jornalista e escritora Marta Góes a escrever Um Porto para Elizabeth Bishop, monólogo interpretado por Regina Braga, que estréia amanhã no Sesc Anchieta, em São Paulo. O encontro das três mulheres não foi fortuito. Regina buscava um espetáculo-solo terno e que refletisse a história do Brasil. Pediu auxílio à amiga Marta, editora do caderno de Variedades do Jornal da Tarde, que, após algumas pesquisas, lembrou-se de Elizabeth Bishop (1911-1979) - afinal, a poeta viveu em Samambaia, fazenda próxima a Petrópolis, onde a jornalista passou a infância no mesmo período. "Foi por saudade de Petrópolis que comecei a ler sobre Elizabeth Bishop", conta Marta. Estava ali o material desejado: o retrato do País que a poetisa desenha em suas cartas e poemas, com estranhamento de estrangeira e de artista, fornecem uma visão nítida e enternecedora do Brasil. "As observações que ela fez sobre nossa rotina, que em geral nos passam despercebidas, oferecem uma belíssima reflexão sobre a sociedade brasileira", comentou Regina que, decidida a montar o monólogo, convidou, com Marta, o diretor José Possi Neto para comandar o espetáculo. Quando chegou ao Brasil, Elizabeth enfrentava problemas de depressão e alcoolismo. Ao perder os pais ainda pequena e sofrendo com a austeridade da criação dos avós, ela vivia sob a ameaça constante da solidão. A dor da exclusão aumentou durante a adolescência, ao se descobrir homossexual. Decidiu, portanto, empreender uma série de viagens até publicar seu primeiro livro, North and South, em 1946. A amizade com Marianne Moore, uma das poetas que melhor dominaram as possibilidades lingüísticas do idioma inglês, permitiu a Elizabeth desenvolver a autoconfiança necessária para prosseguir a carreira. "Mas foi no Brasil, onde chegou com uma sentimento de desamparo, que ela se sentiu livre e pôde finalmente ter a sensação de ser amada", observa Marta. Logo no início de sua estada no País, Elizabeth conheceu Lota de Macedo Soares. As duas se apaixonaram e passaram a viver juntas, na fazenda Samambaia de Lota. "Nunca cheguei a vê-las" conta Marta. "Mas elas estavam por perto, nas conversas dos adultos, no eco das extravagâncias de Lota e até em amigos comuns, como Mary Morse, que também foi companheira de Lota." Em suas cartas, especialmente para o amigo Robert Lowell Elizabeth Bishop narra o cotidiano de seu novo lar, revelando aspectos saborosos, que foram incluídos no monólogo. Como a particular forma de tratamento utilizada pelos empregados, que a tratavam ora por "senhora" ora por "minha filha". Ou as inúmeras receitas de chá que recebia dos conhecidos. Ou ainda a queixa que quase todos faziam de dores no fígado. "São aspectos que revelam a nossa índole", diz Marta. A escritora lembra ainda a curiosa descrição que Elizabeth faz da concentração dos brasileiros, durante a transmissão radiofônica da Copa de 1958, na Suécia. A euforia a cada gol fazia a poeta supor que, durante aqueles minutos, o povo conseguia esquecer sua miséria e sentir-se magnânimo. Um Porto para Elizabeth Bishop cobre todo o período da poeta no Brasil e a passagem desse tempo é marcada por imagens projetadas em vídeo e por registros radiofônicos, como o discurso de renúncia do presidente Jânio Quadros. Também alguns poemas são recitados por Regina, que fez a seleção ao lado de Marta e de José Possi Neto. Figuram, assim, versos marcantes, como Chegada em Santos, Ida à Padaria e Uma Arte. Marta conseguiu ainda um poema inédito, As Amantes - o manuscrito foi encontrado em Ouro Preto, colado em uma tela. "Trata-se de uma viagem pelo Brasil dos anos 50 e 60", comenta Regina, que pela primeira vez está sozinha em cena. "Não posso esconder meu receio, mas as primeiras apresentações me fizeram ficar mais confiante." A atriz já apresentou o espetáculo em oito cidades do interior paulista, em um programa elaborado pelo Sesc, e no Festival de Teatro de Curitiba, onde estreou. Apesar dos momentos tristes que marcam o fim da vida de Elizabeth (em 1967, já em Nova York, ela recebeu a visita de Lota, que logo se suicidou), o monólogo termina com uma mensagem de esperança. "Decidi cantar Rio de Janeiro, de Ari Barroso que revela o mesmo amor da poeta pelo nosso País", conta Regina. Um Porto para Elizabeth Bishop - De Marta Góes. Direção José Possi Neto. Duração: 1h30. De quinta a sábado às 21 horas; domingo, às 20 horas. R$ 20 e R$ 30 (sábado). Teatro Sesc Anchieta. R. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 234-3000, em São Paulo. Até 5/8.

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