Peça do Grupo XIX é encenada em carros

Em parceria com uma companhia italiana, coletivo cria engarrafamento

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Por Murilo Bomfim
Atualização:

Na antiga vila operária Maria Zélia, no Belém, sede do Grupo XIX de Teatro, Estrada do Sul está prestes a começar, mas não há atores na coxia, em concentração. Alguns deles estão na rua, deixando tudo pronto para que os outros cheguem em 18 automóveis, formando as três fileiras que obstruirão uma das vias do local por pelo menos uma hora e 40 minutos.

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A ideia de usar os veículos – que podem ser tão novos quanto um Peugeot 207 de 2012, ou tão antigos quanto um Dodge de 1976 – como palco, assento e protagonista do espetáculo é do italiano Pietro Floridia, diretor da Compagnia del Teatro dell’Argine, de Bolonha, parceira do XIX na peça. Em um trabalho na Palestina, há cerca de sete anos, ele conversava sobre Franz Kafka com um amigo local, que lhe indicou Julio Cortázar. “É interessante porque ambos criam uma realidade a partir de outra realidade”, diz Floridia, comparando A Metamorfose – obra em que Kafka transforma um homem em inseto – e A Autoestrada do Sul – conto em que Cortázar cria um engarrafamento de dias e que serviu como inspiração para a peça.

Segundo o diretor, a montagem demorou para sair do papel por ser ousada demais para os palcos italianos. “O teatro de lá é muito quadrado, e sair do esquema é complicado. E o Lubi é um pouco louco, sabia que ele poderia executar a peça”, afirma, referindo-se a Luiz Fernando Marques, nome por trás dos premiados espetáculos Hysteria eHygiene e do recenteNada Aconteceu, Tudo Acontece, Tudo Está Acontecendo.

O flerte entre os grupos começou há cerca de oito anos, quando a atriz brasileira Daniela Scarpari, que estudou na Escola de Arte Dramática com Marques, foi para a Itália, começou a trabalhar com Pietro e enxergou características comuns a ambos. “Assim como o Grupo XIX leva em conta a comunidade da Vila Maria Zélia em suas peças, a Teatro dell’Argine dialoga com o universo de San Lazzaro di Savena”, informa Daniela.

No conto de Cortázar – lançado no livro Todos los Fuegos el Fuego, de 1966 –, motoristas partem da cidade de Fontainebleau para Paris quando se veem presos em um imenso congestionamento. A partir disso, os condutores lidam com a espera, o calor, a ausência de informações, a fome e a sede, criando hierarquias e organizações para controlar a situação.

A adaptação de Floridia mantém a ideia, mas adiciona elementos de dramaturgia, como excertos de obras de autores como Pablo Neruda, Hilda Hilst e Mia Couto, além da criação de um casamento e da suspeita de um crime. Não há, no entanto, um personagem principal. O engarrafamento é o protagonista da trama, que tem três histórias paralelas sempre envolvendo personagens de seis carros.

“Dirigimos o público aos carros e, tirando as cenas externas, que são comuns a todos, o espectador só vê o que se passa no universo do automóvel”, explica Marques. Cada veículo tem pelo menos um ator e outras três pessoas. Como de praxe, o elenco instiga a participação ativa e o compartilhamento de experiência do público, que se mescla com os atores e vive o congestionamento da peça.

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ESTRADA DO SULArmazém XIX. Rua Mário Costa, 13, Belém, 2081-4647. 4ª e 5ª, 19 h; 6ª, 17 h (a partir de 7/9: sáb. e dom., 19 h). R$ 20. Até 29/9.

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