Peça de Gorki reagrupa quarteto de ouro do Oficina

Ittala Nandi traz a São Paulo o espetáculo Vassah - A Dama de Ferro, do dramaturgo russo, em que contracena com Renato Borghi e Fernando Peixoto, além da participação especial de Zé Celso Martinez Côrrea

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Por Agencia Estado
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Ittala Nandi, musa do período áureo do combativo Teatro Oficina, volta aos palcos de São Paulo em grande estilo, promovendo um revival destinado a marcar época ou, no mínimo, emocionar muita gente. A peça é Vassah - A Dama de Ferro, de Máximo Gorki, que já cumpriu temporada no Rio e no sul do País. Para a encenação paulista, que terá lugar no Teatro Sérgio Cardoso, a atriz conseguiu a proeza de reunir no palco os quatro medalhões do Oficina dos anos 60: ela, Renato Borghi, Fernando Peixoto e José Celso Martinez Corrêa. A estréia está marcada para 3 de agosto. Zé Celso já participava do espetáculo no Rio, contracenando com Ittala Nandi por um telão que mede 6 metros por 11 metros. O incensado diretor do Teatro Oficina representa o marido da personagem Vassah, figurando em 12 minutos de cenas filmadas sob a direção de Dib Luft, famoso fotógrafo da época do cinema novo. Ittala, que entre seus trabalhos no Oficina brilhou em Os Pequenos Burgueses e O Rei da Vela, trabalhou com Zé Celso pela última vez em 1969, dirigida por ele na peça A Selva das Cidades, de Bertolt Brecht. Em carne e osso, o amigo fiel Renato Borghi vai fazer o advogado Mêlnikov, membro do Tribunal de Justiça. E Fernando Peixoto ficou com o papel de Klementi Krótkikh, gerente da companhia de navegação. Ambos gostaram do convite e não pensaram muito para aceitar. Ittala trabalhou com Borghi pela última vez em Édipo Rei (1983) e com Peixoto (com quem já foi casada) em A Selva das Cidades (1970). Etty Fraser, outra veterana do Oficina, também foi sondada para participar de Vassah. "Eu queria a Etty para o papel da secretária Ana, mas ela estará filmando durante nossa temporada", conta Ittala, que, além de atriz, foi administradora do Oficina. Completam o elenco paulista: Amaury Alvarez, Wanda Stefânia, Renata Soffredini, Simone Donha, Emílio Gama, Luiza Albuquerque, Igor Kovalewski e Carolina Lyrio. A direção é de Alexandre de Mello e os cenários, de Hélio Eichbauer. Tentativas frustradas - Tônia Carrero, Dina Sfat e Camila Amado já tinham tentado montar Vassah, mas as dificuldades do papel se impuseram antes que seus pés tocassem o palco. A própria Ittala Nandi, uma gaúcha, filha de imigrantes italianos, que adora enfrentar desafios, achou por bem, em 1996, apenas produzir a famosa peça de Gorki. Convidou Fernanda Montenegro para o papel principal. Segundo Ittala, a atriz veterana respondeu: "Minha querida, esse papel é seu, é para você fazer." Enfrentando o medo de encarnar uma heroína tão impiedosa como Vassah, Ittala Nandi estreou a peça no Rio, no ano passado. "É um papel para ser feito na maturidade", afirma. Dizer que Vassah é uma peça tabu, por causa de tanta dificuldade de ser levada adiante por atrizes do primeiro time? Não chega a tanto. Mas fato é que, coincidência ou não, nem mesmo o Oficina encarou a montagem do texto, nos idos de 68, quando Peixoto e Eugênio Kusnet fizeram a primorosa tradução, intitulando-a Vassa Geleznova. "Na época, acabamos optando por Os Inimigos (também de Gorki), porque achávamos que ela tinha mais a ver com o momento social brasileiro", diz Ittala Nandi, que, com Vassah, emplaca sua terceira atuação na obra de Máximo Gorki, incluindo a antológica Os Pequenos Burgueses. Vassah Geleznova é uma mulher desumana e poderosa, que passa por cima até de filhos e do marido para manter o controle dos negócios no ramo da navegação. "É uma personagem que se violentou muito para chegar aonde chegou", atesta a titular do papel. Vassah se casa aos 15 anos, para ter seu primeiro filho um ano depois. Vieram mais oito crianças. Morreram quase todos. No decorrer da peça, ela luta pela posse de um neto. "Fizemos um estudo grande para saber se teria havido alguma mulher russa poderosa, em que Gorki poderia ter se inspirado à época", conta Ittala. Não encontraram nenhuma personalidade real. Melhor morrer - O início da peça é bastante significativo. A protagonista tenta corromper um promotor para livrar seu marido de um processo de estupro. Se for condenado, ele poderá ser levado a trabalhos forçados. Ao constatar que a condenação é irreversível, Vassah sugere-lhe que o marido se mate, como única saída honrosa. Assim, ela preservará a família da desonra, mesmo que, para tanto, tenha de passar por cima da ética e da lei. Não seria arriscado dizer, também do amor. A peça, para a atriz e produtora, toca no cerne de questões do Brasil de hoje, que se assemelham à Rússia de 1905, na qual o texto está ambientado. Corrupção, pedofilia, seqüestro, traição, medo de mudança são alguns dos ingredientes utilizados por Gorki para refletir, a partir do núcleo familiar - e de forma arquetípica -, a sociedade selvagemente capitalista da época. "Vassah é uma espécie de Margaret Thatcher, uma mulher de ferro (tradução para geleznova), que traduzimos para dama de ferro", explica Ittala. O autor russo escreveu a peça em 1910, no exílio, intitulando-a primeiramente A Mãe (que Brecht mais tarde adaptaria para Mãe Coragem). Reescreveu-a em 1936, dando origem a Vassah.

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