Peça combina humor e trama macabra

Com 'Cine Monstro', diretor Enrique Diaz retorna à obra do canadense Daniel MacIvor, o mesmo autor de 'In on It'

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Por Maria Eugenia de Menezes
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Antes de as luzes se acenderem, enquanto a sala estiver completamente escura, o público ouvirá uma voz anunciando: "o filme já vai começar". A frase abre Cine Monstro, um espetáculo teatral. Mas a menção ao cinema diz muito sobre as referências que o dramaturgo - e também roteirista - Daniel MacIvor está a mobilizar. Como em um romance policial, quem assiste recebe pistas para unir as tramas que se cruzam e adquirem novos significados ao final. Há revelações que aumentam a carga de crueldade do enredo. E a cinematografia de horror, explica o diretor e intérprete Enrique Diaz, foi um dos eixos para organizar a encenação. "Existe algo de filme de terror. Mas vai além, poderia ser visto como um filme de toda a história da humanidade, do cinema como uma projeção do inconsciente", define ele.Ainda que sustentado por um texto de ficção, Cine Monstro evoca o formato dos shows de stand-up. Além de viver 13 personagens, Diaz também surge como um mestre de cerimônias e explica, brevemente, o que será visto em cena. "É uma maneira de convidar o público a ver a obra por um viés menos espetacular", comenta ele, que apresentou uma versão inacabada no Festival de Curitiba deste ano e já cumpriu curta temporada no Rio. "Esse também pode ser um jeito de incluir quem está na plateia sem ser uma peça interativa."Traço constante nas criações de MacIvor, o humor é uma das portas de entrada dessa montagem. Um riso que se depara com mortes sangrentas, que advém de sentimentos perversos - indizíveis no cotidiano, mas permitidos aqui. "Como afirmam os budistas, a maneira perfeita de ver a vida é por meio de lágrimas de alegria, ou seja, alegria diante da beleza de todas as coisas e lágrimas por saber que tudo é temporário. Mas acho que é também rir da maneira como levamos tudo a sério quando as coisas são muito simples", observa MacIvor, em entrevista que concedeu ao Estado por e-mail. Ainda que soe imprudente retirar efeito cômico de situações como as descritas em Cine Monstro, esse é também um meio de o autor evidenciar questões que não estão explícitas na narrativa, mas a atravessam: o fascínio que temos pelo mórbido é um desses aspectos. A presença difusa do mal - e sua capacidade libertadora - é outro. Encarar tudo sob viés menos sisudo torna-se também um meio de retirar do texto qualquer veleidade moralista. "Não venho com a postura de dizer para as pessoas algo sobre elas que elas mesmas desconheçam. Não carrego nenhuma verdade para entregar", pontua Enrique Diaz. O palco praticamente nu é outra convicção do dramaturgo canadense que essa versão brasileira abraça. "O teatro vazio é um local perfeito e sagrado", crê MacIvor. "Qualquer coisa que inserimos neste espaço tem de ser essencial para conservar o espírito do teatro puro." Em sua encenação, na qual contou com a colaboração do diretor Marcio Abreu, Diaz ateve-se ao mínimo de elementos cênicos, mas cria um escape ao se valer de uma série de vídeos, assinados por Batman Zavareze e Nathalie Melot. Em fluxo não linear e sem ter caráter ilustrativo, as imagens vêm reforçar a aparência de pesadelo que impregna a obra. Outra função foi livrar o enredo de qualquer vestígio de drama psicológico. "Queria forçar o público a fazer um jogo duplo", relata o ator. "Ouvir o texto ao mesmo tempo em que está tomado por aquelas projeções. Oscilar entre uma coisa e outra. Para que cada um pudesse, depois de fechar os olhos, ter apenas uns lampejos de cenas na cabeça."Nova fase. Cine Monstro sinaliza um momento de ruptura na carreira de Enrique Diaz. Em 2012, ele deixou a Cia. dos Atores, grupo referencial para o teatro brasileiro nos últimos 20 anos e para o qual criou títulos como Melodrama (1995) e Ensaio.Hamlet (2004). Desde a saída, o diretor continua ligado ao teatro de outras maneiras: fez com Cine Monstro o primeiro monólogo de sua trajetória. Tem planos de montar uma peça da japonesa Toshiki Okada, para a qual ainda está em busca de recursos. Sinais da nova fase também se revelam em áreas que extrapolam as artes cênicas. Recentemente, resolveu entrar para a faculdade de Letras, atuou na série 3 Teresas, da GNT, estreou dois longas como intérprete, integra o time de diretores da novela Joia Rara. "É um lugar mais livre esse que estou agora e me dá a oportunidade de experimentar coisas diferentes" diz ele, que conversou com a reportagem enquanto voltava de mais um dia de filmagem no Projac. Outra possibilidade em gestação é a criação de uma série televisiva a partir da obra de Daniel MacIvor. As peças In on It, A Primeira Vista e Best Brothers (ainda inédita no País), seriam desdobradas em episódios. Os enredos de cada uma teriam seus núcleos preservados, mas os personagens poderiam se conhecer e se encontrar. A produção não tem data de estreia prevista e está sendo negociada com a O2, de Fernando Meirelles. Os intérpretes devem ser Emílio de Mello, Fernando Eiras, Mariana Lima, Drica Moraes e, ainda não confirmados, Selton e Danton Mello nos papéis dos irmãos de Best Brothers.

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