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Paulo Coelho leva suas reflexões a NY

Escritor candidato à Academia Brasileira de Letras estará no Fórum Econômico Mundial, em NY, no fim deste mês, para discutir tolerância e o declínio da ficção científica em favor da espiritualidade

Por Agencia Estado
Atualização:

Em dezembro, o escritor Paulo Coelho retirou-se com sua mulher, Cristina, para os Altos Pirineus, na França, num retiro místico e literário. A proposta era encontrar a paz nas montanhas e meditar sobre os valores vigentes após os atentados do dia 11 de setembro. No fim do mês, em Nova York, as conclusões desse período de meditação poderão ser conhecidas no Fórum Econômico Mundial, em duas palestras: uma sobre tolerância e espiritualidade e a segunda sobre o declínio da ficção científica e o simultâneo renascimento do interesse pelas questões espirituais. Além disso, o escritor participará de debates com católicos, anglicanos, protestantes, judeus e islâmicos sobre outras questões que preocupam a comunidade internacional, como os fundamentalismos religiosos. Depois do Fórum, Paulo vai ao Japão, participar da peregrinação pelo caminho sagrado de Kumano, onde há o encontro de cristãos com os praticantes da religião dominante na área, o shugendo. O caminho de Kumano entrou no circuito internacional do turismo religioso depois que o autor de O Alquimista o percorreu, no ano passado, e escreveu uma série de artigos sobre essa experiência. Nas vésperas de concluir o retiro, Paulo Coelho concedeu entrevista à Agência Estado, na qual revela a "gratidão" que tem pela "generosidade intelectual dos paulistas", que reconheceram seu trabalho literário desde o início. Agência Estado - O que significaria para você sua candidatura à Academia Brasileira de Letras? Paulo Coelho - A Academia é um lugar de convívio, onde pessoas inteligentes discutem pontos de vista. Esse diálogo faz bem a todos. Para mim, participar desse convívio é enriquecedor e por isso me candidatei. A que atribui o maior reconhecimento, hoje, de sua condição de escritor nos meios intelectuais brasileiros que antes o tomavam apenas como "mago" e "guru new age"? O tempo é o senhor da razão. Era natural que, no início, encarassem minha obra como algo desconhecido e sentissem necessidade de classificá-la numa categoria também desconhecida, a "nova era". Mas o tempo, a continuidade e a diversidade de meus livros mostraram que não era tão simples assim. Como foi a recepção a seu trabalho no exterior? Cada país tem uma maneira diferente de analisar a obra de um escritor. Tenho recebido críticas positivas e negativas, dependendo do livro e do jornal. Entretanto, quem se expõe da maneira como me exponho, deve estar preparado para saber defender o seu trabalho e ser coerente com ele. Você costuma dizer que o sucesso dói. Ele pode melhorar a qualidade do artista, de suas criações? Nunca penso muito em sucesso. É uma coisa muito abstrata para um escritor, que não tem contato direto com seu público. Mas, se tiver de pensar concretamente, vejo o sucesso de modo positivo. Ele me deu a oportunidade de abrir portas. Os críticos literários e sociólogos europeus em geral acham que o sucesso de sua literatura se deve em parte ao vazio espiritual e ideológico provocado pelo declínio do cristianismo e pela falência das utopias sociais. O que há de verdadeiro nessas interpretações? Os críticos criticam, os escritores escrevem, os analistas analisam e os leitores lêem. Não cabe a mim analisar os críticos como não cabe a eles escrever os meus livros. Quais as opiniões que você tem ouvido pelo mundo afora? A vida, como dizia Vinícius de Moraes, é a arte do encontro. Eu não recolho testemunhos; compartilho minha alma, bebo de muitas fontes. Nem sempre sei no que isso resulta, mas tenho procurado honrar o milagre de estar vivo. Você escreveu seu primeiro livro de sucesso internacional, O Alquimista, já com a intenção de suprir o chamado "déficit de espiritualidade"? Na verdade, o que existe é um superávit de espiritualidade. Todo mundo tem resposta para tudo e todos querem convencer os outros sobre a melhor maneira de adorar a Deus. Escrevi O Alquimista para entender a mim mesmo, sem sequer ter noção de que o livro seria publicado ou traduzido. Pela música não lhe foi possível alcançar a transcendência espiritual ou suas composições se inscreviam em outra de ordem de preocupações? Qual? Minha carreira musical me satisfez enquanto durou. Mas comecei a fazer as coisas automaticamente. Resolvi parar por algum tempo e fazer letras. Esse tempo se transformou em meses, depois em anos. Na parceria com Raul Seixas, suas criações traziam a marca do humor, da ironia que não se encontra na sua literatura de cunho místico. O riso seria incompatível com a busca da religiosidade? Deus é amor. Deus é humor. Uma pessoa mau-humorada está distante da maior bênção que temos: a alegria de viver. Sempre que o enredo permite, meus livros mostram esse lado bem- humorado. Como andam os projetos para a adaptação de seus livros ao cinema? Continuo irredutível em minha idéia, há mais de nove anos, de vetar a venda de qualquer direito de transposição de minhas obras para o cinema. Mesmo assim, recebo, por semana, três propostas. Acho que o filme se faz na imaginação do leitor. E se a produção e o cineasta lhe dessem total liberdade para fazer o roteiro? Eu seria um mau roteirista. Meu trabalho é o livro. Não saberia avaliar, julgar a peça que escrevesse. Já fui convidado três vezes pela Warner para morar em Hollywood e rejeitei. Ainda bem. Quando vai lançar um romance de costumes, baseado no cotidiano do povo brasileiro, por exemplo? Não faço planos. Escrevo os livros, mas eles também me escrevem. Tem de haver um acordo mútuo entre o criador e a criatura e até o momento ainda não conversamos (eu e meus livros) sobre essa possibilidade. Que precauções toma para que o leitor não se canse, perca o fascínio pelas ilusões, sonhos e lendas que você descreve? Nenhuma. Escrevo para mim mesmo, desde O Diário de um Mago. Se não me divirto escrevendo, eu paro na hora. Nas cartas que você recebeu sobre a tragédia de 11 de setembro qual é o sentimento dominante? É o de que foram também atingidos os valores pessoais da comunidade humana. Há que se restaurar agora a confiança entre os povos para que a construção do novo século se faça numa clima de paz e justiça. Não acha que ocorrerá o choque de civilizações, ou seja, entre o Ocidente judaico-cristão e o mundo muçulmano? Acho que as pessoas não compreendem o islã. É uma religião bonita, digna, que sofre as pressões de uma generalização injusta e discriminatória. O mesmo está acontecendo com a religião judaica, vítima da mesma pressão. Da mesma maneira que, muitas vezes, já escutei comentários do tipo: "Como é que você é católico, se a Igreja perseguiu as bruxas e os magos?" As pessoas não compreedem que a religião está acima dos homens que a pretendem governar. Sou delegado da Unesco para os diálogos entre religiões, teremos agora em Nova York um grande encontro, o Fórum Econômico Mundial, em que representantes das mais diversas religiões estarão presentes com o intuito de diminuir os riscos de atritos. A fama levou-o a mudar algo em sua atitude, na sua maneira de encarar o mundo? Mudou. Passei a ver que as pessoas com poder têm muito menos poder do que pensam e as que se julgam impotentes são capazes de muito mais coisas do que podem imaginar. Qual é a sua relação com o dinheiro, depois que a literatura o fez um homem rico? Muito positiva. Ganho dinheiro com o meu trabalho, como todo mundo. Sempre quis ter dinheiro para viajar. Estou investindo no meu projeto social, o Instituto Paulo Coelho, que se ocupa de 360 crianças da favela Pavão/Pavãozinho, no Rio, assegura transporte para doentes e cestas básicas para as famílias mais desfavorecidas. O instituto vai desenvolver um centro de formação em informática e outras atividades para crianças e adolescentes. Na verdade, ando preocupado, olhando muito para minha vizinhança carioca. Fala-se muito dos indicadores sociais catastróficos do Nordeste, mas não é diferente a situação nas favelas e invasões do Sul. Creio que se cada um, de acordo com suas possibilidades, der um desconto no egoísmo e contribuir na solução dos problemas mais urgentes de sua vizinhança carente e sofrida, a soma nacional de todas essas iniciativas ajudará a melhorar os indicadores sociais do Brasil. Sem prejuizo do social, qual seria sua relação com o luxo? Luxo para mim é uma casa japonesa: totalmente vazia, mas quando você precisa o essencial está ali, à sua espera. Em matéria de gostos e sabores, o luxo significa o que para Paulo Coelho? Em matéria de sabor é o açaí. Em matéria de gosto o vinho bordeaux, dependendo, é claro, do vinicultor. Curiosamente, o açaí e o vinho têm a mesma cor. O futuro do Brasil lhe inspira que gênero de reflexão? Que a classe dominante pare de refletir e comece a trabalhar. Como resumiria a imagem que os estrangeiros lhe transmitem do Brasil? Estive conversando recentemente sobre isso com a escritora Nélida Piñon. Tanto ela quanto eu utilizamos grande parte de nossas entrevistas para defender nossa terra, já que os jornalistas em geral nos abordam com idéias preconcebidas a respeito. Quais seriam as deficiências do Brasil que lhe parecem injustificáveis? O nosso complexo de inferioridade diante das outras nações e o grande vácuo social entre os ricos e os pobres. Depois da música e da literatura, tem certeza de que não será tentado e tragado pela política? Tenho. Carioca da gema, como é que os paulistas entram em seu imaginário? O que lhe vem à mente quando pensa em São Paulo? Eu associo São Paulo instintivamente ao fato de que foi o Estado, mais do que o Rio, que reconheceu o meu trabalho litérario. Eu tenho uma gratidão imorredoura por isso. Os paulistas me acolheram desde a primeira hora com grande generosidade. É a primeira vez que falo disso à imprensa e espero que os cariocas não me leiam aqui. Mas essa é verdade. O que deseja que a memória coletiva guarde de você e de sua obra? Vou usar aqui uma frase do apóstolo Paulo: "Que se lembrem que combati o bom combate e mantive a fé."

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