Paulo Autran ataca nos palcos e nas livrarias

Ator prepara-se para viver um escritor em peça de Eric-Emmanuel Schmitt ao mesmo tempo em que revira seu arquivo para rever em livro 52 anos de carreira

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Por Agencia Estado
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A barba ligeiramente ruiva e o manuseio constante de seu arquivo de fotos revelam que Paulo Autran abrevia o descanso para iniciar os projetos do próximo ano - a consulta de imagens é para um livro que a Cosac & Naify pretende lançar no início do ano, em que reconta seus 52 anos de carreira por meio de fotos e artigos históricos; e o novo visual do rosto significa que ele tomou uma decisão que consumiu vários meses de reflexão: apesar de julgar seus 79 anos uma idade um tanto avançada para interpretar o personagem Abel Zorko, o arrogante escritor premiado com um Nobel da peça Variações Enigmáticas, Autran terminou cedendo. "Fiquei apaixonado pelo personagem, mas temia que nossa diferença de idade (Zorko deve beirar os 60 anos) comprometesse a encenação", comenta o ator. "Mas, depois da empolgação de vários amigos que leram o texto, fiquei convencido de que os anos não fariam tanta diferença." Assim, os ensaios começam nos primeiros dias de janeiro, no Teatro Ruth Escobar. Escrita em 1996 pelo francês Eric-Emmanuel Schmitt, Variações Enigmáticas reúne apenas dois personagens: o escritor Zorko, que vive isolado em uma ilha no mar da Noruega, e o jornalista Eric Larsen, que vai ao seu encontro a pretexto de uma entrevista - na verdade, o que os une é Helena, mulher de Larsen com quem Zorko manteve uma intensa troca de correspondência. A entrevista, assim, transforma-se em um embate, um jogo cruel em que as revelações surgem em cascatas. "Não existe um protagonista, pois os dois homens têm momentos maravilhosos ao longo da peça", admira Autran. Ele não assistiu a nenhuma montagem do texto, que teve Alain Delon na França, Klaus-Maria Brandauer na Alemanha e Donald Sutherland nos Estados Unidos. Apenas leu a peça, recomendada por um amigo, Alberto Seabra, no ano passado. Empolgado, Autran não apenas traduziu os diálogos como adquiriu os direitos de montagem no Brasil. Foi quando surgiu sua dúvida: interpretava o papel de Zorko ou se concentrava em apenas dirigir? A indecisão acompanhou-o ao longo do ano - enquanto dividia seu tempo entre a direção do espetáculo Dia das Mães e a encenação de Visitando o Sr. Green (que encerrou temporada de dois anos), ele refletia sobre a melhor decisão e ouvia a opinião de amigos próximos. Já no fim do ano, Paulo Autran venceu a própria resistência e decidiu subir ao palco. Para a direção, convidou José Possi Neto, responsável por diversas montagens recentes (como Ponto de Vista e O Evangelho Segundo Jesus Cristo). "Em seguida, fizemos uma lista de atores que poderiam representar o jornalista Larsen e logo concluímos que Cecil Thiré é uma ótima opção", conta Autran. Depois dos ensaios, o grupo segue para o Rio, onde Variações Enigmáticas vai reinagurar o tradicional Teatro Maison de France, desativado desde 1983. "Fiquei extremamente honrado pelo convite para reabrir o teatro, um lugar maravilhoso onde interpretei várias peças francesas, de autores como Molière, Marguerite Duras e Feydeau." Mesmo antes do início dos ensaios, Paulo Autran já se prepara para o novo desafio: ouve constantemente Variações Enigmáticas, do inglês Edward Elgar (1857-1934), música executada em CD, no início do espetáculo, e também pelos atores, ao longo da encenação. "A única exigência do dramaturgo foi a utilização de uma gravação executada por ele mesmo, ao piano", revela Autran. Além de escritor e dramaturgo, Eric-Emmanuel Schmitt é músico e filósofo, com trabalhos sobre Diderot e a filosofia da sedução. Variações Enigmáticas, aliás, é considerada por ele como seu texto mais autobiográfico - no depoimento que escreveu para seu site oficial (www.eric-emmanuel-schmitt.net), ele afirma que, como Zorko, suportou enormes falsidades, conheceu a traição e descobriu o isolamento por meio do refúgio na escrita. "E, como Larsen, conheci o amor simples, modesto, do dia-a-dia, aquele que acompanha o amado desde a doença até a morte", escreveu Schmitt, que concebeu a peça no curto período de dez dias. Estudo - Os dois homens aparentemente distantes em corpo e alma, mas que não passam dos dois lados de uma mesma moeda, fascinaram o ator brasileiro. "É um estudo aprofundado de psicologia, que explica com precisão as atitudes e a busca humana pelo amor. Com isso, Schmitt construiu um texto generoso para dois atores viverem grandes momentos", comenta Autran que, além da barba, pretende deixar os cabelos com um tom loiro, buscando aproximação com um perfil nórdico. O período dos ensaios vai coincidir com a busca da produção pelos recursos que faltam para viabilizar a encenação. "Por sorte, não se trata de uma montagem cara", comenta Autran, que divide seu tempo com a conclusão da pesquisa das cem fotos que formarão o livro a ser lançado pela Cosac & Naify. Além de imagens de espetáculos como A Resistível Ascensão de Arturo Ui e O Crime do Doutor Alvarenga, a edição vai contar ainda com diversas críticas ao trabalho do ator, que as coleciona desde sua estréia, em dezembro de 1949, ao lado de Tônia Carrero, na comédia de Guilherme Figueiredo, Um Deus Dormiu lá em Casa. A leitura dos originais do livro, que também espera por patrocinadores, divertem o ator, especialmente as críticas ao seu trabalho. "Sou um homem feliz, pois fui reconhecido pela maioria dos críticos, especialmente os grandes mestres como Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi."

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