PUBLICIDADE

Paul Poiret, o estilista que criou a silhueta feminina do século 20

Mostra no Metropolitan homenageia o francês que eliminou o espartilho e pôs fantasia na roupa da mulher

Por Tonica Chagas
Atualização:

Meio século antes de as feministas dos anos 60 queimarem seus sutiãs, o francês Paul Poiret (1879-1944) já havia liberado a mulher dessa peça e, melhor ainda, do espartilho. Poiret deu a ela uma nova silhueta com vestidos soltos e chemisiers, enlaçando-a com retângulos de tecido sem costura, livrando-a das cores pálidas do século 19 e transformando-a numa colorida Sherazade ocidental. Criador do look boêmio-chique, no auge de sua carreira, antes da 1ª Guerra Mundial, Poiret era o rei da moda. Há dois anos, em Paris, um leilão de criações dele arrecadou 1,8 milhão, mais que o dobro da estimativa dada para elas. O Metropolitan Museum de Nova York adquiriu dezenas daquelas peças e as apresenta agora como o centro da exposição especial Poiret: King of Fashion. Com sua visão, Poiret foi o primeiro fashion designer moderno. Nos vestidos, casacos e acessórios lançados por ele há quase cem anos estão as origens de muitas coleções da alta-costura de hoje. ''''Enquanto Chanel leva o crédito por criar o padrão de moda moderno, é o processo de design de Poiret, usando o drapeado, a verdadeira fonte das formas modernas'''', diz Harold Koda, curador-chefe do Costume Institute, o departamento de Moda do Metropolitan. Com muita sensibilidade também para o marketing, Poiret foi o primeiro costureiro a pôr sua marca em perfumes, cosméticos e objetos de decoração, estratégia que hoje é o pilar financeiro de grandes estilistas. A exposição em que o Metropolitan o homenageia (aberta até 5 de agosto) transporta o visitante para o início do século 20, mostrando as criações dele em tableaux desenhados pelo cenógrafo francês Jean-Hugues de Chatillon. Jardins, oásis e outros cenários pintados lembram suas inspirações; móveis, objetos de decoração, pinturas e outras ilustrações da época complementam a visão artística do estilista. A construção de dois modelos dele é mostrada em animações de vídeo, detalhando sua técnica de dobrar e drapear o tecido diretamente sobre o corpo. Ao fim da projeção, os vestidos surgem iluminados por trás da tela. Poiret começou a desenhar vestidos enquanto trabalhava numa fábrica de guarda-chuvas, em meados da década de 1890. Em 1898, foi contratado como aprendiz do costureiro Jacques Doucet, de quem absorveu muitas estratégias que usou mais tarde. Ter suas criações usadas por atrizes famosas como Sarah Bernhardt foi uma delas. Em 1901, ele deixou o ateliê de Doucet e foi trabalhar com Charles Frederick Worth, o estilista que dominou a moda francesa no fim do século 19. Poiret abriu o próprio ateliê em 1903. Ele admitia que não sabia costurar e por isso não tinha como controlar toda a sua criação. ''''No entanto, foi justamente a falta de treinamento em alfaiataria e confecção de vestidos que facilitou o avanço de suas técnicas'''', diz Koda. Na exposição, o exemplar mais antigo do conceito criado por ele com base em linhas geométricas e construção plana é Révérend, um mantô de 1905. De lã vermelha, damasco de seda marfim e bordado com fios de seda, ele foi inspirado na forma do quimono e feito a partir de um grande retângulo. Apaixonado por pintura, ele foi o primeiro a usar a arte moderna para representar suas criações. Com Paul Iribe, que criou a rosa usada nas suas etiquetas, em 1908 ele fez o álbum ''''Les Robes de Paul Poiret'''' e, em 1991, produziu ''''Les Choses de Paul Poiret'''' com Georges Lepape. Raul Dufy, que ele lançou como desenhista de tecidos, criou estampas gráficas perfeitas para os desenhos abstratos de Poiret, como as flores gigantescas do casaco longo La Perse, de 1911. ''''O trabalho de Poiret foi abastecido pelos discursos dominantes na sua época, como o classicismo, o orientalismo, o simbolismo e o primitivismo'''', aponta Harold Koda. Com inspiração na art nouveau, na indumentária oriental e nos figurinos exóticos do Ballets Russes de Sergei Diaghilev, ele introduziu na alta-costura as cores vivas dos fauvistas, desenhou capas, saias e turbantes que lhe valeram ser chamado ''''pasha de Paris''''. ''''A característica mais fundamental do seu orientalismo, porém, está na construção das suas peças'''', enfatiza o curador. O sucesso de Poiret está muito ligado à sua mulher, Denise, uma moça do interior com quem ele se casou em 1905. Ela foi sua musa, diretora de criação de sua maison e, principalmente, a melhor modelo para divulgar suas roupas. Numa entrevista à revista Vogue, em 1913, Poiret afirmou: ''''Minha mulher é a inspiração para todas as minhas criações, ela é a expressão de todos os meus ideais.'''' A figura delgada de Denise foi a base para Poiret reduzir o desenho da roupa feminina, começando por eliminar o espartilho em 1906, quando nasceu sua primeira filha, Rosine. Para o batizado da menina, Denise usou um Lola Montez, vestido que simbolizava a liberdade do corpo da mulher tanto no nome (o de uma atriz e dançarina) como na ausência daquela roupa de baixo usada desde a Idade Média. Talvez também como resposta a outra gravidez de Denise, em 1910 ele lançou um vestido solto e em forma de T, o chemise. Na primeira viagem do casal a Nova York, em 1913, Denise foi fotografada no Hotel Plaza repousando sobre almofadas e usando um daqueles modelos. A pose é reproduzida num dos tableaux da exposição. Denise também tinha um jeito de estilista. Revistas de moda indicam que ela foi a primeira a usar sapatos de seda sem laço ou fivela: tinha uma coleção de meias coloridas para combinar com suas saias e botas enrugadas, no estilo marroquino, lançadas pelo marido. Era para ela que Poiret desenhava as fantasias mais elaboradas usadas nos famosos bailes que promovia. Em 1910, o Ballets Russes apresentou em Paris Sherazade, coreografia baseada nas histórias persas As Mil e Uma Noites; no ano seguinte, Poiret fez o seu A Milésima e Segunda Noite, no qual os convidados que não viessem a caráter ou iam embora ou usavam roupas cedidas pelo dono da festa, entre as quais as calças Harem da sua coleção de primavera. Como a favorita do sultão, Denise usou uma delas por baixo de uma túnica aramada que, por sua vez, entrou na coleção de 1913. Os bailes de Poiret foram tema de um par de sapatos criados para Denise, em 1924, por André Perugia. Bordados em miçangas coloridas, ela e o marido são representados entrando numa de suas grandes festas. No leilão, o par tinha preço estimado em 3 mil; foi arrematado pelo Metropolitan por 14 mil, um recorde mundial para sapatos. As fantasias e a maioria das roupas vistas em Poiret: King of Fashion eram de Denise, que as guardou desde o divórcio do casal, em 1928, e foram encontradas em três baús no sótão da casa de uma de suas netas. Poiret perdeu sua posição de rei quando a alfaiataria perfeita e as cores sóbrias de Coco Chanel entraram em cena nos anos 1920. É um dos famosos vestidos pretos criados por ela que fecha a exposição. Conta-se que, ao encontrar a estilista na rua toda vestida de preto, Poiret quis fazer piada e lhe perguntou: ''''Por quem a senhora está de luto, madame?'''' Ao que a ferina Chanel teria respondido: ''''Pelo senhor, monsieur.'''' Nos anos 20, Poiret parece ter perdido seu toque inovador e chegou até a pensar em reintroduzir o sufocante espartilho em suas roupas. Reagindo contra a nova moda que dava à mulher um jeito de menino, em 1922 ele apresentou vestidos inspirados nas últimas décadas do século 19. Seus assistentes e suas clientes começaram a debandar para outras maisons e, endividado, ele teve de vender suas empresas. Em 1930 ele publicou En Habillant l''''Époque, sua biografia, que no ano seguinte foi lançada nos Estados Unidos com o título King of Fashion. Mas sua vida, a essa altura, não tinha nada de realeza. Sem dinheiro, ele teve de desenhar uma pequena coleção para a Printemps, loja francesa de departamentos, e foi morar num hotel. Em 1934, amigos passaram a cuidar dele, que foi atingido pelo mal de Parkinson. Mesmo assim, ele começou a pintar e, também graças a amigos, chegou a mostrar seus quadros numa exposição. Muito debilitado e sem recursos, em 1943 ele foi morar na casa de sua irmã, onde morreu um ano depois.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.