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Parlapatões celebram 10 anos com "Pantagruel"

Em cartaz no Teatro Sesc Anchieta, peça de Hugo Possolo e Mário Viana é uma adaptação livre do clássico romance do renascentista François Rabelais

Por Agencia Estado
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Para celebrar seu décimo aniversário, os Parlapatões, Patifes e Paspalhões (PPPs) levam para o palco do Teatro Sesc Anchieta um projeto ambicioso: Pantagruel, adaptação livre do clássico romance do renascentista François Rabelais (1483-1553), assinada por Hugo Possolo e Mário Viana. Pantagruel é obra da mesma estatura de um Dom Quixote, de Cervantes, ou um Gulliver, de Jonathan Swift. O texto bufo de Rabelais traça o perfil de uma época, resume nas histórias fantasiosas de dois gigantes, o príncipe Pantagruel e seu pai, o rei Gargantua, a geografia humana e cultural de seu tempo. Tarefa complicada a dos Parlapatões. É impossível resumir em uma hora e 40 de teatro o fornido volume que Rabelais dedicou a Pantagruel em 1532 (Gargantua é de 1534), no qual empreendeu, em meio à narrativa de várias aventuras bufas, o exame e a crítica de sistemas legais, educativos e governamentais. Tampouco é simples encaixar as façanhas de Pantagruel na forma que os Parlapatões empregam em todos os seus trabalhos, chova ou faça sol. Nada se pode dizer contra a repetição, no humor circense. Ela é a base da graça. A máscara do clown é uma só e ele a adota para a vida. Assim como seu estilo. Quando se fala em Piolim ou Carlitos, Buster Keaton ou irmãos Marx, Arrelia ou Oscarito, de imediato acorrem à memória desenhos de rostos sempre iguais e graças repetidas. O mesmo ocorre com os Parlapatões. A persistência das máscaras (no caso, da ausência delas), das atitudes corporais e das técnicas narrativas é uma das características dos PPPs. Em seus trabalhos, a platéia conta com o reencontro de um arsenal de recursos. Estão lá o humor pesado, os palavrões, à interação temida (e desejada) dos irreverentes integrantes do grupo com o público. O espectador dos PPPs deseja ver a trupe repetir seu jeito de contar histórias. E participa espontaneamente, sem ser coagido. Espantoso ver o que faz com dois pedaços de cano de plástico que recebe à entrada. Os PPPs apelam ao que há de infantil em cada adulto. E recebem adesão entusiástica. Pantagruel, no entanto, insere mudanças nessa estética. Hugo Possolo, diretor da encenação, aumentou aqui a carga poética, abrindo espaço para passagens francamente líricas. Também recorreu a amplas doses de humor verbal, viga-mestra da montagem, uma das menos físicas da trupe. Apesar disso, a dança foi incluída. Com uma coreografia inventiva, fica muito bem resolvida a cena da viagem fluvial, por exemplo. A produção caprichada tem cenografia simples e eficiente de Luciana Bueno, que também assina os criativos figurinos, em parceria com Olintho Malaquias. A música original de Abel Rocha e Miguel Briamonte é executada ao vivo por um trio de instrumentistas. Os fundadores dos PPPs, Hugo Possolo, Alexandre Roit e Raul Barreto, encabeçam o elenco, de que participam ainda Henrique Stroeter, Claudinei Brandão, Rui Minharro, Pedro Guilherme e Paula Arruda. Em Pantagruel, a trupe atinge um de seus momentos mais coesos, sem desníveis no núcleo de atores encarregado de arrancar as gargalhadas da platéia. Apesar disso, e da qualidade de sua produção, o espetáculo não convence. A ambição de sintetizar o épico romance cômico de Rabelais e a história do gigantesco, bondoso e atrapalhado Pantagruel, deu origem a uma peça quase sempre pouco imaginativa, que tem dificuldade em levantar vôo. Muito da sátira rabelaisiana se perde, assim como o desejo dos autores de capturar a essência da história do escritor renascentista. As idéias vão para o palco compendiadas, reunidas numa espécie de antologia. Não constituem o motor da narrativa, sua razão de ser. Por estranho que pareça, vários dos espetáculos que os PPPs fizeram nos últimos dois anos, em especial durante sua temporada no Teatro Brasileiro de Comédia, como preparação para Pantagruel (entre eles Poemas Fesceninos e Um Chopps, Dois Pastel e uma Porção de Bobagem), mostraram-se muito mais rabelaisianos no humor feroz, na exploração de excessos, do que Pantagruel propriamente dito. A montagem não encontra ponto de união entre a alta comédia, com a inclusão de algo da reflexão filosófica de François Rabelais no texto teatral, e a baixa comédia, baseada no humor físico e no destempero verbal, marcas registradas dos PPPs. Cria-se então uma brecha que a direção fluente de Hugo Possolo e a atuação vital dos intérpretes não conseguem transpor. Isso não significa que a platéia dos PPPs vá se divertir menos. Ao contrário. As gargalhadas que ressoam no teatro de início a fim da sessão dão prova de que os palhaços continuam senhores de seus recursos e sabem provocar a hilaridade. Porém passaram longe do alvo ambicioso: fazer de Pantagruel uma viagem teatral em busca da liberdade, da maturidade. A solução que o espetáculo oferece à busca do príncipe gigante, que viaja atrás da sabedoria para se tornar um bom governante, aproxima-se, por conta da síntese requerida pelo teatro, de receitas de manuais de auto-ajuda, algo que deve despertar a ojeriza dos Parlapatões. O grupo está em uma encruzilhada, ao comemorar seu décimo aniversário. Busca atingir metas literárias ousadas ao mesmo tempo em que não deseja abrir mão de seu baú de truques testados e aprovados. Que rumo tomará? Pantagruel. De Hugo Possolo e Mário Viana. Direção Hugo Possolo. Duração: 90 minutos. Sexta e sábado, às 21 horas; domingo, às 20 horas. R$ 15,00. Teatro Sesc Anchieta. Rua Doutor Vila Nova, 245, tel. 3234-3000. Até 27/1.

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