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Paris expõe Botticelli, mestre avesso à "modernidade"

Menosprezado em seu tempo por não aderir à pintura a óleo, gênio renascentista é cartaz de uma rara mostra na França, a primeira dedicada à sua obra em 50 anos

Por Agencia Estado
Atualização:

Botticelli foi menosprezado por alguns outros artistas da Renascença por sua recusa em aceitar a "modernidade" e pintar a óleo, apenas uma de suas excentricidades artísticas. Na primeira exposição dedicada apenas a obras de Sandro Botticelli nos últimos 50 anos, o Museu do Luxemburgo, em Paris, oferece uma visão profunda do velho mestre que criou o Nascimento de Vênus. "Botticelli é um muito conhecido artista que não é muito conhecido", diz Patrizia Nitti, diretora dos projetos de renascença do museu. "Temos pouca documentação (a seu respeito)." Na exposição Botticelli, de Lorenzo o Magnífico a Savonarola, aberta ontem, os visitantes se depararão com o artista que se colocou à parte da prática de seus contemporâneos, tanto que sua reputação foi eclipsada, só ressurgindo no século 19. Botticelli usava têmpera - uma mistura de ovos e pigmentos - em vez de óleo - que contemporâneos como da Vinci preferiam para obter mais volume e transparência na pintura - e linhas delicadas para contornar suas figuras. As obras da exposição têm uma qualidade austera que reflete o turbilhão espiritual de sua época. O pintor que, para muitos, resume o início da renascença era, de fato, "um Botticelli muito mais introvertido, muito mais preocupado" que se suspeitava, diz Patrizia. À mostra, no pequeno museu nos terrenos do Senado francês, estão cerca de 20 pinturas, vários esboços e até duas peças de brocado desenhadas por Botticelli, que nasceu em Florença em 1445, onde morreu em 1510. Estão incluídas também uma dúzia de obras de contemporâneos, como Leonardo da Vinci e Piero di Cosimo, para servir de comparação. Imediatamente atrai a atenção o imenso afresco A Anunciação (1481), mostrando a Virgem colocada no canto direito, com um anjo na extrema esquerda. Uma cama vazia se ergue no meio do afresco. Um sentimento austero sobre as obras de Botticelli vai surgindo de seu uso de linhas para delinear contornos. Silhuetas, de anjos a Virgem Maria e Santo Augusto, são bem delineados, como são as dobras das roupas e as asas dos anjos. Botticelli, que começou como gravador, "exalta o poder da superfície e da linha", de acordo com o texto do catálogo da exposição. Outra peculiaridade de Botticelli: sua abordagem negligente da anatomia humana, tão ao contrário das de Leonardo e Michelangelo. "Botticelli não prestava atenção nisso. Há erros anatômicos em suas obras", diz Patrizia. As obras, recolhidas na Itália e outros lugares, muitas de coleções particulares e algumas nunca expostas antes, empurram o espectador para o mundo florentino da poderosa família Medici, que tornou Botticelli famoso. Mas elas também refletem a crise crescente da década de 1490, quando os Medicis caíram e o reformador religioso Savonarola, famoso por seus ataques contra a lassidão moral e por suas predições, tornou-se o regulador espiritual de Florença. A pintura favorita de Patrizia Nitti é A Calúnia, de 1497, que, segundo ela, mostra os vários aspectos do homem e de sua obra. Na pintura alegórica, que foi restaurada, o rei Midas exibe orelhas de burro e encabeça uma corte repleta de figuras, representando a ignorância, a fraude, a calúnia, o rancor - vestida de preto - e a verdade - nua. O suspeito está semi-vestido e escondido pelo cabelo. Baixos-relevos intricados nas colunas do palácio revelas figuras de outras obras de Botticelli. A exposição vai até 22 de fevereiro. Será exibida também no Palácio Strozzi, de Florença.

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