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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Para a máquina de café da firma

'Sonho com o dia do nosso reencontro, o dia em que nós dois estaremos juntos e dançando o nosso balé gástrico mais uma vez'

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

Máquina de café, venho por meio desta confessar minha saudade. 

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Sonho com o dia do nosso reencontro, o dia em que nós dois estaremos juntos e dançando o nosso balé gástrico mais uma vez.

Sinto vontade de abraçá-la, apertar seus botões, olhos nos olhos, sem máscaras, e de vivenciar aquela cumplicidade que sempre nos uniu.

A pandemia me privou da sua presença, do seu barulhinho de geladeira velha, dos seus exageros de açúcar e do seu gosto de água suja. 

Meu estômago mandou lembranças.

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Máquina de café, sem você sou apenas um autômato.

Minha imaginação depende dos minutos que passo ao seu lado. Em pé, sorvendo o produto do seu trabalho, respiro melhor, reconsidero minhas opções, vislumbro possibilidades, abro estradas e invento caminhos. 

Máquina de café, você é minha musa. 

Sem você, minhas ideias são ocas ou variações sobre temas surrados. 

Máquina de café, preciso de você como quem precisa de uma religião. Você é parte da minha personalidade. Quem sou eu longe de você? Quem?

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E como se não bastasse, você ainda tem esse poder de aglutinar pessoas ao seu redor. Graças a você, fiz amizades, soube de fofocas e me escondi de chefes. Você é a melhor relações-públicas que eu conheço. Você é o álibi perfeito. 

Sem você, sou apenas tensão. Sem você, os prazos, os pedidos, ambições e as obrigações me afogam.

Amo o seu jeitinho de quem saiu de um filme de ficção científica dos anos 1980. Amo o seu maravilhoso café ruim (o melhor café ruim que eu já tomei). Amo o seu profissionalismo mesmo sob pressão.

Se alguém pede chá, você simplesmente ignora. Se alguém quer leite, você manda um líquido branco e alucinógeno qualquer.

Máquina de café, venho por meio desta confessar minha saudade. Foto: Fernando Sciarra/Estadão

Você é uma lady, máquina de café. Você nunca reagiu às palavras ásperas e ingratas de alguns colegas. Você nunca revidou um chacoalhão, um chute ou um tapa na sua linda carcaça. Sua vingança é um cigarro a mais na boca dos ingratos.

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Máquina de café, eu sei que você tem um coração. Eu sei que você não faz por mal. Você vale cada moeda – até aquelas que me roubou.

Se é pra morrer, que seja com seu copinho plástico nas mãos. 

Leio o meu futuro na borra do seu café. Se alguém pedir descafeinado finja um enfarte. 

O dia do nosso reencontro está próximo.

Te quero demais.

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Um beijo.

* Gilberto Amendola é repórter do Estadão e observador da vida urbana

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