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Para a Globo, é censura. Para a França e EUA, não

Por Agencia Estado
Atualização:

Uma simples regulamentação ou a ressurreição da ditadura? As divergências entre a Rede Globo e a Justiça já esbarraram no campo conceitual. De um lado, o Superior Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com base na Portaria 796, decidiu retirar os atores menores de 18 anos da novela "Laços de Família" e proibiu sua exibição antes das 21 horas. Do outro, uma das maiores emissoras do mundo acusa o governo de cercear sua liberdade de expressão, cometendo "ato de inequívoca censura". Os protestos da Globo contra a decisão da Justiça foram amplamente divulgados. Incluíram o lobby da protagonista da novela, a atriz Vera Fischer, e de seu autor, Manoel Carlos, fotografias de todo o casting da emissora em pose de protesto, com as mãos à frente da boca, e declarações, da direção ao elenco de apoio, a seu favor. No entanto, o que a Globo considera censura, em países mundo afora é considerado regulamentação. Com base em preceitos culturais, morais e éticos, emissoras, sociedade e governos dos Estados Unidos, Japão, Alemanha e França estabeleceram seus códigos de conduta para a tv - que são rigorosamente respeitados, sob o risco de chiadeira e boicote motivados pela opinião pública. Normas que, se foram formuladas no Brasil, não são nem de longe respeitadas, permitindo que se exibam, por exemplo, closes de partes íntimas femininas num domingo à tarde - dia e horário notadamente familiares. É mais ou menos esse tipo de regulamentação a que o País tenta chegar com a Portaria 796, que trata da classificação de horário dos programas de tv. Na França e na Alemanha, o governo também interfere nas grades de programação - no caso alemão, a classificação de horário parte dos 6 anos de idade, enquanto aqui começa aos 12. Passado - Mas não é tão fácil assim definir a portaria em questão como uma simples regulamentação. Afinal, nessa divergência de conceitos, entra em jogo um grande trauma dos meios de comunicação e da sociedade brasileira. Se a experiência de outros países faz supor que classificar programas de tv é algo normal e saudável para a sociedade, por outro lado, em que pese o passado recente do Brasil, o fantasma da censura ainda está muito presente na memória nacional. "Há a idéia de que isso evolua, de que não pare por aí. A ditadura entra pela janela", reflete Clóvis de Barros Filho, professor de Ética em Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero (São Paulo) e autor de diversos livros, entre eles Ética na Comunicação, Comunicação em Debate e Mídia, Ética e Globalização. Para Barros, cujo currículo inclui bacharelados, mestrados e doutorados nas universidades de São Paulo, Paris e Navarra, a classificação de horários deve ser um dos indicadores de que determinado programa é apropriado ou não para uma pessoa - mas não o único. "A solução não está em impedir que as pessoas assistam a esta ou aquela mensagem, mas em fornecer-lhe referenciais críticos de análise para que optem livremente." Como acontece na França, ressalta ele. "O receptor (telespectador) francês tem os referenciais de análise, e a regulamentação é um indicador a mais, sem nunca ter a prerrogativa de proibir as pessoas de assistirem a determinado programa".

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