PUBLICIDADE

Panorama da Arte Brasileira conduz visitante pelo tema viagem

A questão do deslocamento é tratada de forma poética ou irônica na mostra 'Itinerários, Itinerâncias'

Por Maria Hirszman
Atualização:

O trabalho de Cildo Meireles, Arte Física: Cordões/ 30 km de Linha Estendidos (1969), é exemplar nesse sentido. A maleta que contém o cordão com o qual o artista percorreu - como uma espécie de Teseu moderno - o litoral do Estado do Rio de Janeiro funciona como testemunho e produto desse esforço de mapeamento e de ocupação poética do território. De maneira similar, estão as obras do carioca Ducha, que viajou os 400 quilômetros da antiga Estrada Real (que une Ouro Preto ao Rio de Janeiro) na companhia de um burrico e registrou o trajeto em mapas e comentários bem-humorados; os vídeos de Oriana Duarte, em que se mostra, sempre de costas, remando pelos rios de diversas cidades brasileiras; de Marcelo Coutinho, ao redescobrir as obsoletas paisagens ferroviárias pernambucanas; ou de Virgínia de Medeiros, que viajou pelo sertão da Bahia recolhendo histórias com sua Kombi Catarina, para depois trazer o carro para dentro do espaço expositivo transformado em sala de projeção dos vídeos e depoimentos. A obra de Paula Sampaio, mineira radicada no Pará, também reverbera de maneira intensa essa questão do percurso poético e de descoberta (fundamental na arte brasileira desde seus primórdios, com as investigações dos artistas viajantes). Há décadas ela se dedica a percorrer e fotografar o povo e a paisagem das estradas Belém-Brasília e Transamazônica. A dificuldade de apresentar um recorte dessa profusão de imagens, nas quais a fotógrafa diz procurar registrar "essa vida que migra para sempre, sem nunca voltar igual para qualquer parte", levou os curadores a sintetizar esse processo em dois elementos singelos: uma foto de uma estrada de terra sem começo ou fim precisos e um pequeno mapa do Brasil recortado em madeira sobre o qual a artista deixa marcado os rios, as estradas e o percurso tantas vezes repetido. Duas outras características comuns parecem permear o recorte proposto para o Panorama 2011: a presença de um olhar bem-humorado sobre o mundo, que se reflete em trabalhos irônicos como Lotes Vagos, de Louise Ganz e Breno Silva - que propõem a transformação e ocupação de lotes urbanos vazios -, ou o vídeo do coletivo baiano GIA. E a força de um olhar singelo e poético como o trenzinho de brinquedo do paulistano Cadu, que toca música ao tocar nos copos de cristal espalhados ao longo de seu percurso, ou o teatro de sombras e memórias proposto por Nicolás Robbio. Além das pinturas, instalações e vídeos que compõem o corpo da mostra, Itinerários, Itinerâncias também propõe uma série de desdobramentos complementares, que envolvem a participação dos artistas em áreas do museu, como a biblioteca e o serviço educativo; a realização de atividades na área externa do parque - dentre as quais se destaca a montagem da Cicloviaérea, projeto de Jarbas Lopes de 2003 -, bem como a realização de ciclos de debates e mostra de filmes.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.