Eu vou fechar os olhos para não te ver. Eu vou atravessar a rua para não cruzar com você. Eu vou te ignorar. Vou agir como se não te conhecesse. Vou virar a cara. Eu não vou te comer.
Você não vai me enlouquecer, panetone de setembro.
Não quero viver como se estivesse atrasado, prestes a perder o trem ou uma prova importante. Não vou me deixar alvoroçar. Não venha me antecipar, me anteceder ou me sabotar.
Alto lá, panetone de setembro, ainda temos tempo.
Põe aí 100 dias e mais uns trocados na sua conta. Ainda tem chão até o final do ano. Quero um dia de cada vez, com todas as suas 24 horas de infinitas possibilidades.
Ainda nem tomei a segunda dose. Não comprei nada para o Natal. Onde vai ser o réveillon? Sequer programei meu carnaval. Será que vai ter carnaval?
Sossegue o coração, panetone de setembro.
Vamos puxar o freio. Se já fosse novembro, eu até entenderia. Mas assim tão cedo? Tanta precocidade acaba com o prazer de fazer bem-feito.
Vamos fazer bem-feito? Por que tanta pressa? Já tem sido uma vida tão atropelada. Você poderia colaborar. Não crie caso assim à toa.
É certo que, por mais um ano, não vivemos nosso melhor momento. Tem dias que me sinto mais desamparado do que uma fruta cristalizada. Mas não é pulando etapas que a vida vai melhorar.
Panetone de setembro, não jogue contra.
Não vamos queimar a largada. Ou meter os pés pelas mãos. Vamos esperar a vacinação. Vamos aproveitar a retomada. Quem quer ficar mais velho assim tão de repente?
Panetone de setembro, saia de fininho. Volte daqui um mês ou dois. Ainda não é hora de abrir as malas e jogar na nossa cara tanta expectativa, tanto projeto, tanta ilusão.
Panetone de setembro, responda sem pestanejar: 2022 será melhor?
Vai ter eleição? Vai ter seleção? Vamos virar a página da covid? Vai dar tudo certo?
Panetone de setembro, um abraço e até o próximo feriado. Vou marcar na minha agenda, com caneta colorida, o dia mais adequado para o nosso reencontro.
Tchau, querido. ... mas se for de chocolate me deixa um pedaço.
* Gilberto Amendola é repórter do Estadão e observador da vida urbana