PUBLICIDADE

Pandemia faz crescer o interesse por robôs de companhia

Em tempos de seres humanos com máscaras e distanciados, os robôs são vistos paradoxalmente como uma forma de fazer com que certas interações sejam mais calorosas

Por Julie Jammot e Rob Lever
Atualização:

Washington - A pandemia agravou o isolamento e a solidão dos idosos, reacendendo o interesse pelos robôs de companhia, mas os fabricantes tentam moderar as expectativas daqueles que buscam humanoides com rodas e brinquedos de pelúcia animados cada vez mais interativos.

Françoise e Olivier assistem a uma transmissão do Museu de Belas Artes da França no robô Cutii Foto: CareClever SAS/AFP

"A pandemia foi um acelerador para nós, é quase nossa razão de ser hoje!", afirma Antoine Bataille, criador do Cutii, um robô móvel com tela, apresentado pela segunda vez no Consumer Electronics Show (CES) de Las Vegas - o grande evento de eletrônica e tecnologia que começou na segunda-feira em formato virtual. O Cutii permite aos usuários participar de atividades à distância (jogos, aulas de ginástica, etc) e falar com seus entes queridos por videoconferência, acessada por comando de voz. Pode ser atualizado de forma remota e equipado com funções de assistência ou segurança, alertando em caso de algum problema. A empresa lançou seus robôs na França em 2020 em cerca de trinta casas de repouso para idosos. Os Cutii estavam destinados à venda para particulares, mas o confinamento mudou os planos. "Administramos o isolamento no coletivo", diz o chefe da start-up francesa, que busca sócios para conquistar o mercado americano. "Nunca imaginaríamos isso". A empresa agora compreende melhor as necessidades dos acompanhantes que trabalham nos lares de idosos. O Cutii pode distrai-los enquanto são asseados, por exemplo, facilitando o trabalho da equipe. Os especialistas em robótica de hoje são capazes de realizar proezas: os robôs articulados da Boston Dynamics estão causando sensação no YouTube com sua coreografia, enquanto pesquisadores da Universidade de Cornell trabalham em robôs microscópicos, capazes de examinar o corpo humano por dentro, movendo-se por tecidos e vasos sanguíneos. No entanto, os robôs de companhia devem superar obstáculos mais psicológicos do que tecnológicos. "Quanto mais dependentes as pessoas são ou mais dificuldades possuem, mais o apreciam", aponta Bataille. "As pessoas com Alzheimer aceitam muito bem o robô. Aqueles que estão mais alerta tem menos interesse". Esta experiência em grande escala fez com que o Cutii evoluísse para satisfazer mais as necessidades. "Tudo é possível", explica o fundador do Cutii. "Mas o essencial é poder se comunicar com a família, realizar atividades que os aproximem de outras pessoas". Em tempos de seres humanos com máscaras e distanciados, os robôs são vistos paradoxalmente como uma forma de fazer com que certas interações sejam mais calorosas.

Misty, um robô pessoal programável da Misty Robotics Foto: Allison Moulton/Misty Robotics

"É mais agradável do que um tablet", disse Tim Enwall, diretor do Misty Robotics, um robô programável que pode ser recepcionista, acompanhante ou assistente da casa. Com a pandemia, "a demanda das empresas por ferramentas confiáveis e sem contato, disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, aumentou", destaca. "Mas os robôs ainda não são capazes de gerir centenas de temas diferentes como os humanos", admite. "Pode gerar frustração, por exemplo, se o dispositivo responder 'Sinto muito, não entendi' a uma pessoa com deficiência auditiva". Na CES 2020, o robô de companhia japonês Lovot comoveu a multidão com seus grandes olhos de coruja, seu olhar de urso de pelúcia e lindas reações quando é acariciado ou falam com ele. Não seve para mais do que dar carinho. Como Paro, um robô terapêutico em forma de filhote de foca, também japonês, usado há mais de quinze anos para a atenção a pacientes com doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer. "Quando uma pessoa idosa sofre de senilidade, é possível que tenha dificuldades para se comunicar e não consiga mais cuidar de um animal", afirma Barbara Klein, professora da Universidade de Ciências Aplicadas de Frankfurt. O robô para reconfortar ocupa o lugar de um cão ou de um gato, mas "sem as obrigações", explica. Klein também destaca que permite "se ocupar de alguém ao invés de ser quem recebe cuidados o tempo todo". Mas a aceitação varia muito de uma pessoa para outra. Os robôs ultrarrealistas, como os gatos de pelúcia que ronronam, podem ser incômodos. "Alguns pacientes senis podem se sentir muito decepcionados ao superestimar as capacidades do robô", argumenta Stefanie Baisch, pesquisadora de psicologia da Universidade de Siegen (Alemanha) e especialista em robôs de companhia. Há quem tema parecer estranho aos olhos dos demais enquanto cuida deles. Por isso, é responsabilidade do cuidador se assegurar de que o dispositivo continue sendo, antes de tudo, um "mediador que favorece as interações humanas", conclui a pesquisadora.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.