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Paisagistas por natureza

Conheça mais sobre os artistas brasileiros que praticam a arte de recriar paisagens e não deixam esse gênero tradicional morrer, traduzindo-o para o mundo contemporâneo com pinceladas sem limites nem fronteiras

Por Agencia Estado
Atualização:

Muito já se falou sobre a morte da pintura. Como conseqüência dessa afirmação, poderia se dizer que a pintura de paisagem, gênero tradicional ao lado dos retratos e naturezas-mortas, também estaria morta. Pareciam estar muito distantes aquelas cenas retratadas por Constable e Turner, as pinturas dos chamados artistas viajantes, europeus que chegaram no País a partir do século 17, como Frans Post e Thomas Ender, e que registraram as primeiras imagens das terras brasileiras. Dicionários antigos registram a palavra paisagista como "pintor de países". E quem repetiria aqueles trabalhos das décadas de 30 e 40, de artistas jovens como Volpi, Rebolo e Aldo Bonadei que, reunidos em torno do grupo modernista Santa Helena, percorreram a cidade de São Paulo e seus entornos realizando pinturas ao ar livre? No entanto, isso não acabou. Há artistas de nossa época que têm a paisagem como tema de seu trabalho. Newton Mesquita, Maria Tereza Louro e Gregório Gruber, por exemplo. Maria Tereza Louro faz suas delicadas pinturas a partir de expedições exploratórias por praias e montanhas. Outros preferem se debruçar sobre o espaço urbano. A pintura paisagística tornou-se não só uma maneira de registrar um lugar e deixá-lo como uma fonte histórica, mas um gênero para se fazer pensar justamente o mundo contemporâneo. Essa vontade de refletir o espaço urbano pode ser nitidamente percebida nas pinturas de Gregório Gruber, com exposição em cartaz até dia 26 no reformado Masp Centro, na Praça do Patriarca, e na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), na região do centro de São Paulo. Muitas vezes identificado limitadamente como um paisagista hiper-realista, Gruber diz que o que lhe interessa é o choque de transformações da cidade de São Paulo. Ele também tem como inspiração o Rio e Barcelona - onde, aliás, possui um ateliê -, mas a capital paulista é sua favorita. Gruber nasceu em Santos, mas desde criança vive em São Paulo e se diz um "cidadão dessa paisagem". Sua obra é uma maneira de analisar as transformações, já que a cidade aparece em desenhos que ele fez em 1965, quando tinha apenas 9 anos. "Venho acompanhando a transformação contundente da paisagem urbana e quero com meu trabalho dar um testemunho sobre esse fenômeno contemporâneo", explica o artista, que não deixa de lembrar o descaso com que seu tema de pintura está sendo tratado. Ele já se inspirou em fotografias, vídeos, mas prefere usar o desenho, feito in loco. Detalhes dos lugares, personagens, arquitetura, tudo isso é inserido ou excluído das pinturas, em função da composição idealizada por Gruber. Muitas vezes ela é tão realista que remete imediatamente ao lugar de onde foi inspirada. Em outras, surge uma paisagem abstrata que poderia pertencer a qualquer lugar do mundo. Para Gregório Gruber, a pintura paisagística está vivíssima. "Como é um gênero muito tradicional, esse tipo de pintura foi relegado durante um tempo por ser muito requintado. Mas esgotaram-se os rompimentos. O trabalho com a paisagem sempre foi uma coisa eterna", defende. Para ele o mais interessante é fazer comparações entre pintores de tempos e lugares distintos, como Constable, Turner, Goya e Rembrandt; fazer um jogo em que se insere o tradicional no contexto máximo da contemporaneidade. O mesmo caminho segue Newton Mesquita que, em sua exposição apresentada em junho na Galeria Euroart Castelli, mostrou amplas paisagens urbanas de lugares reconhecíveis de São Paulo realizadas a partir de fotografias - uma delas, a do viaduto sob a Avenida Paulista. Além da paisagem, o artista se voltou aos gêneros clássicos da pintura, como também o nu feminino e a natureza-morta. A paisagem, em pinceladas cuidadosas e detalhistas, quase sempre sem nenhum resquício de figura humana, aparece como uma maneira de remeter à solidão contemporânea. Qual o olho do artista contemporâneo para a paisagem? Dessa pergunta que Maria Tereza Louro faz, ela mesma responde que muitas das vezes é um olho mais intimista. Depois do começo do século 20, não há mais como delimitar os gêneros artísticos, muito menos a paisagem somente como espaço externo. De suas expedições por montanhas e praias que vem realizando nos últimos dois anos, Maria Tereza diz que suas experiências a envolveram mais em uma pesquisa de cor e luz do que propriamente do espaço. Hoje já não é mais possível definir a paisagem porque, em sua opinião, deve-se pensar sempre em uma questão de escala. A fotografia de um fragmento de um corpo poderia se transformar na representação de uma paisagem assim como um cacho de uva pintado no tamanho de uma pessoa. "O assunto (ou modelo) não é o que determina a paisagem, mas a proporção em que se trata o suporte da obra (desenho, pintura ou mesmo fotografia) e a forma representada", diz a artista. Mais interesse - Para o crítico de arte Olívio Tavares de Araújo, a questão não é a de que haja uma retomada da pintura de paisagem. "A arte como um todo deixou de ser temática. Todos os temas são eternos e a história nos mostrou que o interesse do homem por todas as questões é permanente." Para ele, a paisagem está mais presente em vertentes artísticas como as instalações e a fotografia. Mas lembrando que está em cartaz também a exposição com os trabalhos do Grupo Santa Helena intitulada Operários na Paulista (até dia 19, na Galeria de Arte do Sesi), Olívio Tavares de Araújo acredita que haja um interesse pela observação de obras paisagísticas. Interesse por parte do público e diretores de museus. E seguindo o raciocínio de que a arte deixou de ser temática, pode-se dizer que a paisagem será eternamente explorada por artistas de todos os tempos. O registro da percepção daquilo que nos rodeia, ou seja, a natureza, foi realizado pelos artistas de diferentes maneiras em cada época. O denominador comum é que o pintor apreende a realidade pela luz, apreende o meio natural, até mesmo aquele modificado pela interferência do homem, pelo modo como a luz deixa perceber cada paisagem. Essa é a definição de Evandro Carlos Jardim, outro artista contemporâneo que se dedica a retratar seu entorno. Para ele, a pintura de paisagem é aquela que se faz a partir daquilo que se vê. A paisagem aparece no quadro como uma atmosfera que se materializa por meio de um gesto, da trama de tintas empasteladas, misturadas, colocadas uma ao lado da outra ou sobrepostas. A pintura é cor, "que por sua vez é convertida em luz". "Sem luz não há cor e, ao todo, a pintura se manifesta nessa convenção", conclui ele. "Uma paisagem não é um recorte do espaço, simplesmente; é uma totalidade única em seu gênero, na sua cor, ou em outra coisa qualquer", afirmou o filósofo francês Paul Ricoeur.

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