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Paisagens afetivas

Em três livros, uma viagem estética com Cristiano Mascaro, Lucas Lenci e Gilvan Barreto

Por SIMONETTA PERSICHETTI
Atualização:

Uma viagem estética perpassa três obras sobre a fotografia que chegam este mês às livrarias. Mesmo com linguagens e propostas totalmente diferentes, encontram-se em suas narrativas poéticas. O primeiro é Duas Lentes, de Miguel Setas e Cristiano Mascaro, que foi lançado ontem em São Paulo. Uma coautoria entre Setas, engenheiro e executivo português, e Mascaro, fotógrafo e arquiteto paulista. Uma conversa que nasceu por acaso. Amigos em comum os apresentaram quando o primeiro se mudou para o Brasil há cinco anos. As imagens de Mascaro ajudaram-no a conhecer a cidade e o Brasil. Algum tempo depois, Setas começou a escrever para o Diário Econômico de Portugal e para o Brasil Econômico. Criou ainda um blog em que as imagens de Mascaro ilustravam suas crônicas. Daí para surgir a ideia de juntá-las em um livro foi um pulo. No blog, as fotografias eram escolhidas de forma aleatória. No livro, Mascaro debruçou-se sobre os escritos do português, muitas vezes com assuntos áridos, como crise financeira internacional, nanotecnologia, ou aquecimento global. Foi este o exercício: "Lia o que Setas escrevia e buscava em minha mente uma imagem que pudesse me remeter àquilo", diz o fotógrafo. Nenhuma imagem foi produzida para o livro, todas foram buscadas nos arquivos de Mascaro que, por sua vez, construiu legendas para explicar como aquelas palavras remetiam àquelas cenas. "Não queria imagens que ilustrassem, mas que dialogassem com os textos do Setas. O resultado são narrativas inusitadas, ou, como está no texto de apresentação do livro: 'contrapontos que estabelecem entre eles um surpreendente diálogo'", explica.Já o livro Desaudio, de Lucas Lenci, será lançado amanhã no Madalena Centro de Estudos da Imagem. Nele, o paulistano busca o silêncio, a pausa, o momento suspenso. Ele usou a fotografia para registrar cidades reais, mas que se transformaram em cenários anteriormente fixados em sua imaginação."Quando encontrava o cenário, já sabia que conseguiria a minha imagem ali. Não via problemas em voltar duas ou três vezes ao mesmo lugar até encontrar a foto com os elementos e a luz que eu queria", explica. O resultado desta reflexão são lugares vazios, onde a presença humana é apenas sugerida, muitas vezes fugidia. Imagens oníricas, com cores pouco saturadas ou "lavadas", na contramão de cores gritantes. Fotografias trabalhadas, buscadas, construídas. "Este livro é uma brincadeira com a noção do tempo, do espaço, fotos de lugares conhecidos do Brasil e do mundo, mas que não dá para reconhecer", comenta o autor. Para o curador do livro, o também fotografo Cássio Vasconcellos, Desaudio é um "convite para escutar o silêncio". O sertão como referência. Silêncio que também podemos encontrar no segundo livro do fotógrafo pernambucano Gilvan Barreto, O Livro do Sol, que tem lançamento hoje na DOC Galeria. Ele viajou pelo sertão no verão de 2013, considerado uma época da pior seca nos últimos 60 anos. "Não sou sertanejo, mas queria descobrir o sertão, a natureza daqueles contrastes." O poeta João Cabral e o escritor Ariano Suassuna foram suas referências. O primeiro está na obra com um poema cedido pela família. O segundo, com o desenho do sol que ilustra a capa.O livro foi realizado sem metas fixas ou rotas preestabelecidas, "apenas a vontade de conhecer os contrastes e a natureza destes homens feitos de barro e de sol e seu imaginário povoados pela água", justifica. "Um livro de rodagem, como diriam os sertanejos." Um livro de andanças, percorrendo 4 mil quilômetros, a maioria no estado de Pernambuco, mas visitando também Paraíba, Alagoas Bahia e Ceará. A água como ponto de partida, como ideia fixa. "É claro que lá existe o culto da água, espera-se a água. O sertanejo é um pescador de nuvens." E é dessa maneira que as fotografias de Gilvan Barreto foram editadas entre águas e suas consequências, por sua chegada e muito mais pela sua ausência. Passagens e paisagens afetivas. "Passei por cidades onde nasceram meus amigos e outros sertanejos que admiro, foi uma viagem interna." Dentro dessa poética existe também um crítica social forte. "A indústria da seca não só persiste, como hoje ainda é forte e eficiente. A água que é elemento básico para nossa sobrevivência se torna um instrumento gerador de desigualdade social", desabafa. O Livro do Sol fala, na verdade, sobre o sol que seca e destrói as coisas por lá. Mas como diz Gilvan: "As páginas iniciais do livro trazem nuvens negras, uma esperança de um tempo bonito para chover, como dizem por lá".

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