País segue os passos do centenário Capanema

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Por Agencia Estado
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Imagine um burocrata que tivesse Carlos Drummond de Andrade como chefe de gabinete e Cândido Portinari, Oscar Niemeyer, Manoel Bandeira e Mário de Andrade como assessores. Isso aconteceu entre 1934 e 1945, com o então ministro da Educação e Saúde de Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, cujo centenário de nascimento se comemora nesta quinta-feira. E deu tão certo que, a partir daí, o Brasil começou a se modernizar, pois Capanema deu espaço a que todos eles, então jovens e cheios de idéias, realizassem seus projetos. Oscar Niemeyer, o único dos ex-assessores ainda vivo, lembra aquela época com carinho. "Foi a pessoa mais decente, digna e inteligente que conheci, pois estava sempre pronto a nos ouvir e aceitar nossas propostas", lembra o arquiteto. "Foi ele quem me deu a primeira oportunidade, me chamando para construir a Pampulha, em Belo Horizonte, junto com o então governador Juscelino Kubistcheck, e Brasília veio em conseqüência disso." Capanema nasceu no interior de Minas, na cidadezinha de Pitangui, e conheceu os modernistas nos anos 20, quando estudava Direito em Belo Horizonte. O jovem advogado tornou-se político e, aos 34 anos, ministro de Getúlio Vargas, numa pasta até então desprestigiada, a de Educação e Saúde. Não só chamou os antigos companheiros para assessorá-lo, mas viu ali a abertura para modernizar o País, criando planos educacionais e de saúde em que o Estado tinha a responsabilidade pelo setor. Mesmo no período mais duro do Estado Novo, entre 1937 e 1945, levou adiante projetos de intelectuais francamente contra o regime. "Ouvir os contrários antes de tomar uma posição ou definir uma política é o mais interessante em Gustavo Capanema e por isso ele conseguiu reunir tantos criadores", explica a diretora do arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação (Cepedoc) da Fundação Getúlio Vargas, Helena Bomeny, co-autora de Tempos de Capanema, uma análise desse período. "Nem sempre a decisão final refletia o consenso, mas sua herança, ter o Estado como promotor do bem-estar, é forte até hoje". Mais que mecenas, Capanema levou o Estado a promover a educação e a cultura. Foi ele quem possibilitou a Heitor Villa-Lobos, juntar milhares de crianças nos grandes corais que cantavam um repertório baseado no nosso folclore. A iniciativa não era gratuita. Servia ao conceito de um Estado nacional forte, então nascente do País. "A própria idéia de educação como dever do Estado, que precisava formar suas elites em nível nacional, vem dele e dura até hoje", lembra Helena. "A proposta contrária, de Anísio Teixeira, de educação para todos, caiu por terra e só agora volta a ser discutida." Esse nacionalismo levou-o a valorizar a produção brasileira da época e anterior. Segundo Niemeyer, graças a Capanema, a arte brasileira dos séculos anteriores, especialmente o Barroco, não foi dilapidada. "Ele ele criou a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) que salvou da destruição nossa história arquitetônica", conta Niemeyer. "A partir daí, surgiu a mentalidade da preservação do passado, que hoje é defendida pelo Iphan, sigla com o mesmo objetivo, que de secretaria passou a instituto." O modernismo brasileiro, que surgira com a Semana de Arte de 1922 e o Salão de 1931, no Museu Nacional de Belas Artes (então dirigido por Lúcio Costa), também se firmou com ele. O ministro chamou aqueles jovens artistas para obras maiores, que só poderiam acontecer com o apoio do Estado, ou para cuidar de órgãos que incentivassem essa produção. Todos aceitavam seu chamado. A construção da nova sede do Ministério, no local onde pouco anos antes havia sido derrubado o Morro do Castelo, foi um marco nesse sentido. Após um concurso público, o ministro, insatisfeito com o resultado, entregou a obra a Lúcio Costa, que chamou ex-alunos da Escola de Belas Artes, entre eles Niemeyer e Affonso Reidy, para fazer o projeto, com assessoria do arquiteto suíço Le Corbusier. O prédio só ficou pronto na década seguinte e mudou a feição urbana ao seu redor e os conceitos de repartição pública. Helena Bomeny ressalta que Capanema preocupou-se com cada área cultural, criando os institutos reguladores que funcionam até hoje. "E só agora o conceito do Estado como promotor das artes começa a mudar", lembra ela. "Hoje o Estado deixa a promoção ou patrocínio com a iniciativa privada, através de leis de incentivo, mas não abriu mão de dar sua chancela." Após o Estado Novo, Capanema continuou na política e foi líder do governo no segundo mandato de Getúlio Vargas, entre 1951 e 1954. Só deixou o Congresso em 1979 e morreu em 1985. Como homenagem, o prédio do ministério que mandou construir leva seu nome até hoje. Seu centenário vem sendo comemorado em Minas desde o início do mês. No Rio, será lembrado amanhã, a partir das 17h30m, numa sessão solene do Iphan, com a presença do ministro da Cultura, Francisco Weffort, e o lançamento do livro Era uma Vez o Morro do Castelo, primeiro lançamento editorial do instituto.

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