Ele tinha 65 anos e um dia surpreendeu todo o mundo com a informação de que estava, finalmente, conseguindo falar com seu pai. Foi um espanto. Ninguém imaginava que ele ainda tivesse pai. Alguns chegaram a pensar que o contato se dera numa sessão espírita. Mas não, o pai estava vivo. Casara cedo, tinha 20 e poucos anos quando o filho nascera. Por isso mesmo, nunca haviam se entendido muito bem. Não tinham interesses em comum. Não tinham assunto. Mas agora tinham.
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O pai era fã da Ingrid Bergman e dizia que nunca apareceria outra como a Ingrid Bergman.
– O que é isso, papai? E a Jennifer Lawrence?
– Não conheço.
O pai jogava golfe e sabia pouco sobre futebol. Mas dizia:
– Bom mesmo é o Didi.
– Quem?
– O Didi. Ele ainda joga?
– Não, papai. Acho que até já morreu.
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O pai falava do seu desempenho no golfe, apesar da idade. O filho falava do seu desempenho no tênis, apesar da idade. Um não ouvia o que o outro contava. Também não podiam falar de política. O pai era conservador, ex-simpatizante da UDN. O filho não era exatamente de esquerda, mas simpatizava com o PSDB e defendia a social-democracia.
– Rá, social-democracia – dizia o pai.
– Disfarce de comunismo.
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Não havia jeito de se entenderem. Todas as tentativas de diálogo acabavam em briga. Mas agora, finalmente, estavam conversando. Sobre o que conversavam?
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Remédios. Comparavam tratamentos. “Qual é o seu betabloqueador?” “Está tomando o que para o colesterol?” “Experimenta este.” E trocavam hemogramas. “A sua taxa de glicose está melhor do que a minha!” Essas coisas.
E era comum os dois irem à farmácia de braços dados, conversando.
Mãe e filha. Ela contou que o conselho que recebera da sua mãe, quando se casara, fora: “Não seja inteligente demais, minha filha. Disfarce”. E que a mãe lhe contara que devia o sucesso do seu casamento à frase “Eu não tenho cabeça para essas coisas complicadas, mas...”, que usava como preâmbulo sempre que precisava dizer ao marido o que fazer. Segundo a mãe, para um casamento feliz, preâmbulo é tudo.