Pagamento ao Ecad é por streaming, argumentam MinC e Escritório

Ministério apontou erro em matéria do 'Estado'; para especialistas, cobrança é irregular

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Por Jotabê Medeiros
Atualização:

O Ministério da Cultura (MinC) e o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) apontaram erro conceitual na reportagem "MinC paga ao Ecad por download", publicada na última sexta no Estado. Segundo notas oficiais do MinC e do Ecad, o pagamento feito pela Funarte (órgão do MinC) ao Ecad, de R$ 31 mil, é pelo streaming de músicas no programa Estúdio F, de música popular brasileira - e não pelo download, como afirmado no título e no texto.A cobrança pelo streaming, segundo o Ecad, se baseia na transmissão de músicas em tempo real, sem necessidade de arquivamento. "Vale ressaltar que no site da Funarte não existe a possibilidade de efetuar downloads e as músicas são executadas através de um programa de conteúdo chamado Studio F. O internauta clica no programa de sua preferência e ouve músicas seguindo a mesma lógica de acesso das rádios convencionais, que por sua vez, estão enquadradas na obrigatoriedade de retribuição autoral, de acordo com a Lei 9.610/08", diz a nota do escritório.Ocorre que há controvérsia judicial não só em relação ao download - a reportagem realmente estava incorreta nessa definição -, mas também em relação ao streaming. Em nenhum momento a lei autoral brasileira refere-se ao mecanismo. Promulgada em 1998, a legislação ainda não previa tal desenvolvimento tecnológico, nem os novos usos e hábitos de ouvir música na rede. "Eles utilizam a definição de direitos conexos do artigo 98 da lei como plataforma, inadequada, para lançarem-se nessa cobrança", afirma o advogado Nehemias Gueiros, especialista em Direito da internet.Também para o advogado Manoel Joaquim Pereira dos Santos, a interpretação da LDA pelo Ecad é equivocada, segundo seu extenso parecer divulgado por publicação da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. "A disponibilização de obras musicais denominada 'oferta especial de streaming' constitui distribuição individualizada de fonogramas que não se enquadra no escopo do artigo 68 da Lei n.° 9.610/1998, visto tratar-se de utilização isolada e não coletiva. Nada é devido ao Ecad por essa modalidade de oferta de conteúdo", afirma Santos.Segundo o expert, a oferta pelos provedores de conteúdo no espaço denominado "rádio virtual" não configura execução pública, somente podendo ser assim qualificada a retransmissão das emissões das empresas de radiodifusão pelo processo conhecido como simulcasting. "Portanto, não havendo simulcasting, nada é devido ao Ecad pelo fornecimento desses conteúdos."Programas como o Estúdio F, da Funarte, são na verdade "bibliotecas" virtuais, com uma playlist, na qual a pessoa que entrar na página escolhe o que ver. Não se trata de execução pública (do tipo "ao mesmo tempo que eu vejo, você vê"). É o caso da maioria das rádios web - a música está lá e a pessoa escolhe o que quer ouvir. Não é que não haja direito do autor, o Ecad é que, pela lei, não teria competência para cobrar.O escritório, no entanto, interpreta diferente. Não há decisões judiciais ainda em relação a isso. No momento, há uma batalha judicial na Justiça do Rio entre o Ecad e o portal Terra, na qual as interpretações estão em exame. O julgamento está na fase de perícia.Colocar uma obra na internet pressupõe dois atos, cada um demandando autorização prévia dos titulares da obra e do fonograma (gravadora, editora e autores): copiar a obra e o fonograma para um servidor (direito de reprodução) e fazer o upload (direito internet). Caso não tenha pedido as autorizações, a Funarte pode estar incidindo em violação de direito autoral. A decisão voluntária de pagar o Ecad pelo streaming foi tomada em 2006, época em que Antonio Grassi era presidente da Funarte e a atual ministra da Cultura, Ana de Hollanda, era diretora da área de música. Inicialmente, Grassi tinha atribuído a decisão a "gestão anterior". É o único órgão governamental que paga tal modalidade de direito autoral. Segundo a Assessoria de Comunicação do MinC, a decisão foi da Procuradoria Jurídica da Funarte. "O programa Estúdio F foi concebido pelo Centro de Programas Integrados (Cepin) da Funarte e por ele produzido em todos os anos seguintes." Segundo o MinC, a ministra Ana de Hollanda, quando diretora do Centro da Música da Funarte, não participava das decisões do Cepin. "Mas ainda que assim o fosse, não teria relação alguma com o cargo que ocuparia cinco anos depois", afirma a nota. "Consideramos que a legislação é precária e não contempla a revolução digital que a indústria fonográfica conheceu nos últimos anos. Estamos trabalhando para atualizá-la. No entanto, as normas que vigoram hoje devem ser respeitadas, até que sejam promulgadas as alterações."

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