Outras mulheres à beira de ataques

Lígia Cortez dirige texto de Ráscon Banda, mexicano inédito no Brasil

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Por Maria Eugenia de Menezes
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Duas amigas se separam durante a 2.ª Guerra e só se encontram anos depois. Ambas subiram na vida - uma é cineasta, a outra é escritora. Elas, porém, ainda têm contas amargas a acertar com o passado. Antes do exílio, uma ficou com a filha da outra. Só que a menina desapareceu e apenas agora a razão de seu sumiço virá à tona.

Parece até filme de Almodóvar. Com direito a rasgos de melodrama e personagens femininas à beira de um ataque de nervos. Mas trata-se do enredo de Mulheres Que Bebem Vodka, peça do mexicano Victor Hugo Ráscon Banda, que começa temporada hoje no CCBB.

Foi durante uma viagem ao México, em um seminário de dramaturgia contemporânea, que a diretora Lígia Cortez entrou em contato com o autor. Ele lhe apresentou a muitos de seus cerca de 50 textos. Facetas de uma obra heterogênea, sem similaridades ou temas diletos. A não ser por sua insistência em vasculhar aquilo que se poderia definir como "universo feminino".

"Existe no México essa emotividade latente de uma grande civilização que foi dizimada. É uma cultura cheia de mitos femininos, de guerreiras. E a gente é muito mais próximo disso do que pensa", lembra a diretora, que há algum tempo se propõe a pesquisar o teatro latino-americano e já organizou, na Escola de Teatro Célia Helena, uma antologia de textos latinos contemporâneos.

Em Mulheres Que Bebem Vodka muitas são as questões que aparecem latentes por trás da aura de melodrama e das tiradas cômicas. Uma das últimas obras do dramaturgo, escrita por ele no hospital, pouco antes de morrer de leucemia, em 2008, reflete sobre a injustiça social de seu país, a questão do exílio e, especialmente, sobre a condição do estrangeiro.

As duas amigas que se reencontram décadas após a guerra são polonesas. Ewa (Selma Egrei) está produzindo um filme a partir do romance autobiográfico de Joanna (Patrícia Gaspar), Estação Varsóvia. Durante o reencontro, elas participam de testes para a escolha do elenco do longa e conhecem uma dupla de atrizes, as também europeias Aniela (Maria Manoella) e Bárbara (Martha Nowill), que disputam o papel de protagonista.

Aparentemente, a única personagem mexicana da história é Concha (Regina França), a assistente de Ewa. Mas, apesar dos trajes típicos e dos trejeitos, ela também é uma refugiada, que deixou a Guatemala, seu país de origem, tentando escapar da guerra civil.

Uma constante oscilação entre o humor e o drama pauta a encenação. O público assiste a um bando de mulheres desesperadas. Interpretações que flertam com o histriônico e o exagero, especialmente a de Martha Nowill, ressaltam o lado cômico da obra.

Mas não falta espaço para um olhar a respeito da solidão e do exílio psíquico a que estão condenadas essas personagens. Dado que transparece numa evocação ao Anjo Azul, de Marlene Dietrich. "O texto está sempre entre a dor e a alegria, impregnado de todo esse modo de ver mexicano, mas filtrado pelo olhar dessas estrangeiras", diz Lígia.

Experiência

Não é a primeira vez que Lígia Cortez se aventura pelo teatro latino. Em 2003, assinou a montagem brasileira de Céu de Orinoco, de Emilio Carballido, considerado pai da dramaturgia mexicana.

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