Ousadias do século 21

Jeremy Denk

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Por Redação
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comete uma ousadia sem tamanho: emoldura com estudos do compositor húngaro Gyorgy Ligeti a mais revolucionária e enigmática sonata de Beethoven, a última, "a 111". E nos leva a ouvi-la de modo tão subversivo e inovador como já não pensávamos que fosse possível."Não há nada mais perverso do que os estudos para piano. Escalas, terças, sextas, oitavas, todas as contorções possíveis de dedilhado visitadas em todas as tonalidades possíveis - é o pior dos pesadelos", escreve Denk. E por que Ligeti/Beethoven, pergunta Denk? "Porque ainda hoje estamos em busca de Beethoven. Os românticos descartaram o período final de Beethoven, talvez porque ele era perturbador demais naquele momento histórico. Precisamos esperar o século 20 para encontrar uma continuação, uma ressonância. Os Estudos de Ligeti parecem às vezes com sequelas do último Beethoven."A frase não é gratuita. A 111, diz, roça o infinito, parece gradualmente revelá-lo. Não há final, a sonata termina numa elipse, quase incorporando o silêncio que virá. "Outra conexão crucial é a relação com a síncope, com a confusão rítmica, com o jazz (no caso de Beethoven, prolepticamente!)." O palavrão quer dizer que Beethoven se antecipou cronologicamente, enunciando algo que só viria a se concretizar quase um século depois. Denk chama esta 'confusão rítmica' de "o boogie-woogie de Beethoven". Não ironize. Ouça o Allegro da 111 e o Estudo "Desordem", por exemplo. Ou o Estudo Arco-Íris, uma transfiguração do pianista Bill Evans.Músico não gosta muito de conversa. As exceções são raras. Mas quando consegue ser tão bom falando quanto tocando, temos então o melhor dos mundos. Jeremy Denk é um legítimo representante desta linhagem de músicos que não só toca muito como pensa e escreve bem.Você, não sei, mas eu já decidi. Destes três "Beethovens", fico com o de Denk. / J.M.C.

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