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Ousadia e exotismo marcaram moda de Saint Laurent

Estilista colocou as primeiras modelos negras nas passarelas, causou escândalo ao apresentar mulheres com os seios à vista e firmou a minissaia preta como peça para a noite. Sua aposentadoria, anunciada hoje, encerra uma fase de grandes estilistas

Por Agencia Estado
Atualização:

"A roupa mais bonita para vestir uma mulher são os braços do homem que ela ama. Para as que não tiveram essa felicidade, eu estou aqui." Mas a partir de agora, essas mulheres já não poderão contar com o autor dessas frases, Yves Saint Laurent, o estilista tido como o último dos monstros sagrados da alta-costura francesa. Hoje ele anunciou sua saída definitiva desse prestigioso templo da moda, quase 40 anos após sua criação ao lado do empresário Pierre Bergé. Durante entrevista coletiva (ele sempre foi avesso a elas), Yves Saint Laurent, de 65 anos, com a voz embargada confirmou o que os meios da alta-costura já aguardavam há algum tempo, diante da deterioração de suas relações com François Pinault, principal dirigente do grupo que desde 1999 já controlava financeiramente a empresa. Recentemente, o estilista e seu mentor Pierre Bergé, não assistiram à primeira coleção de prêt-à-porter da "maison Yves Saint Laurent", concebida pelo estilista norte-americano Tom Ford. Ele preferiu prestigiar o primeiro desfile de Hedi Slimane, um de seus antigos estilistas, agora contratado por seu principal concorrente, Christian Dior, para se ocupar da linha masculina, mas pertencente ao grupo Bernard Arnault. François Pinault, informado dessa decisão da dupla Saint Laurent-Pierre Bergé, limitou-se a registrá-la, preferindo não estender seus comentários, mesmo não escondendo a mágoa, pois o contrato de compra previa sua permanência à frente das atividades de alta-costura do grupo até 2006. Ele e Pierre Bergé tinham ampla liberdade para agir e recebiam 0,4% do faturamento da marca, 4,6 milhões de francos por ano. As reuniões se sucediam hoje na sede do grupo, na Avenue Marceau, para se saber qual será o destino de seus 150 empregados, a maior parte artesãos altamente qualificados. Sua despedida oficial está marcada para o dia 23, quando apresentará (em princípio) sua última coleção de alta-costura. Está garantida a presença a seu lado da atriz Catherine Deneuve, que confessa sua tristeza, símbolo da fidelidade ao estilista nos últimos 30 anos. Esse será talvez o ato final de uma das 12 últimas grandes casas de alta-costura francesas. Segundo Jean-Paul Gaultier "é a Greta Garbo da alta-costura que se retira". Yves Saint Laurent foi um obstinado do desenho da moda, chegando a produzir mil desenhos em 15 dias. Suas duas grandes referências pessoais foram Balenciaga e Coco Chanel, mas ele não perdia ocasião de criticar seu mais provável sucessor, o norte-americano Tom Ford, comparando-o "aos costureiros que colocam orelhas de Mickey e Minnie nos seus modelos". Ele impôs o exotismo na alta-costura e colocou nas passarelas as primeiras modelos negras, entre elas Naomi Campbell. Ousou também ao apresentar modelos com seios nus, cobertos apenas por uma renda fina e transparente, causando escândalo na então "pudica" Nova York. Em 66, Saint Laurent criou o smoking feminino, além de ter sido o primeiro a adaptar a minissaia negra como roupa para atividades sociais noturnas. O estilista francês sempre foi um homem frágil. Sua saúde precária foi prejudicada pelo consumo de drogas e de álcool, mas ele superou numerosas crises depois de ter passado por muitas clínicas de desintoxicação. Nascido em Oran, na Argélia, em 1936, Saint Laurent nunca escondeu sua homossexualidade e sua vulnerabilidade. O consumo da cocaína e as crises depressivas sempre marcaram sua trajetória. "Nasci com uma crise de depressão", afirmou em entrevista recente. Sua partida é sentida hoje na França como o fim de uma época, a dos grandes estilistas e costureiros como Chanel, Dior, Balenciaga. A partir de agora e talvez pelo restante de sua vida poderá dedicar-se à ópera e ao teatro que adora. Quanto às suas mais belas criações, elas vão viajar, em retrospectivas de grandes artistas plásticos aos mais famosos museus de Paris, Nova York, Tóquio etc. Essa perspectiva lhe agrada e provocou hoje um comentário no anúncio de sua despedida: "Se minhas criações forem para os museus é que talvez eu seja um artista."

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