Osesp e o som do nosso tempo

Este é o maior mérito do programa com obras de Golijov

PUBLICIDADE

Por João Marcos Coelho
Atualização:

Espanto - esta é a melhor palavra para definir a reação da plateia da Sala São Paulo na última quinta-feira, diante de um forró postiço capitaneado pela solista Alísia Weilerstein na metade de Azul, concerto para violoncelo e orquestra de Osvaldo Golijov. Uma turbinada sanfona, chamada "hiperacordeão", pandeiro e variada percussão, incluindo triângulo, arremedaram um xaxado à Gonzagão/Dominguinhos. Até aquele momento, a mais recente obra (2008) do argentino que é considerado a encarnação do ideal do compositor contemporâneo nos Estados Unidos banhava-se em sonoridades aéreas denotando um orquestrador eficiente que compõe música... que música mesmo? Neotonal? Pós-moderna? Contemporânea? Ou popular?O concerto de quinta-feira é na prática uma autobiografia de Golijov, o mais atrevido cultor da fusão entre erudito e popular nas salas de concerto. Começamos com Last Round, nascida em 1996 como tributo a Astor Piazzolla. Frustrou-se quem conhece a versão original, para quarteto de cordas duplo e contrabaixo. A boa ideia de imitar com as cordas o bandônion gera uma forte pegada, presente na interpretação do St. Lawrence Quartet e convidados (CD EMI, 2003). Infelizmente, não funcionou na versão para orquestra de cordas, frouxa, apesar da energia que o regente peruano Miguel Harth-Bedoya tentou injetar num grupo que teimava em soar flácido. Cantata. Outra peça de 1996 completou o perfil inicial que o levou a virar sensação no mundo da música erudita internacional acima do equador. Oceana foi escrita à maneira de uma cantata de Bach, para cantora popular solista, coro infantil, dois violões, harpa, farta percussão latina incluindo até pau-de-chuva, cordas e o coro da Osesp. Mas chega a virar quase uma Missa Criolla (quem se lembra?) em alguns momentos. Aí, sim, sobressaíram as qualidades que levaram o crítico Alex Ross, da revista The New Yorker, a incensar Golijov como paradigma da música contemporânea que tem futuro (Ross, aliás, assina dois artigos sobre Golijov no livreto dos programas de outubro da Osesp). A venezuelana Biella da Costa deu um show de afinação cantando com amplificação (no CD da DG de 2007, quem brilha demais é a brasileira Luciana Souza).Mas, embora o mergulho no universo popular seja espontâneo, é forçoso reconhecer que soa meio ralo. Em dupla direção: para o alto, não exibe, por exemplo, a força telúrica dos Choros de Villa-Lobos (ídolo confesso de Golijov); no universo popular, fica aquém de outro ídolo do argentino, Tom Jobim.Parece que Golijov enredou-se numa bomba-relógio. Durante uma década, beneficiou-se à larga com esta mistura erudito-popular, que no entanto agora parece esgotar-se. Ele tateia em busca de alternativas. São ótimas as trilhas sonoras que tem composto para os filmes recentes de Coppolla. E é interessantíssimo o concerto para violoncelo e orquestra Azul. Mas, não mais como em obras anteriores, o popular entra a fórceps e o intruso forró soa como um alien. A sacada de reproduzir o grupo de solistas contraposto à orquestra, importado do concerto grosso do século 18, não é novidade. Mas sua escrita sinfônica é, sim, bastante interessante. Sobretudo quando livrar-se dos penduricalhos que lhe deram fama. Para a Osesp, só elogios por colocar em primeiro plano a música do nosso tempo.COTAÇÃO: BOMOSESPSala São Paulo. Praça Júlio Prestes, 16, Luz, telefone 3223-3966. Hoje, às 16h30. De R$ 36 a R$ 122.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.