Osesp apresenta 7ª sinfonia de Shostakovich

PUBLICIDADE

Por AE
Atualização:

Imagine uma sinfonia estreada em Kuybychev em plena Segunda Guerra Mundial, no dia 5 de março de 1942, com transmissão radiofônica para toda a União Soviética, e que teve sua partitura microfilmada e enviada, via Teerã e Cairo, para o Ocidente. Naquele mesmo ano, foi tocada em Londres; e nos Estados Unidos, Toscanini regeu sua Orquestra da NBC, em evento transmitido pelo rádio para todo o país. E, em agosto, na própria Leningrado sitiada. A sétima sinfonia de Dmitri Shostakovich (1906-1975) retrata a heroica resistência da cidade de Leningrado, sitiada durante muitos meses pelo Exército nazista. Provavelmente, nenhuma outra obra do século 20 foi politicamente usada de modo tão eficaz quanto esta, que se transformou no símbolo da memória coletiva da guerra.Ao compositor, rendeu fama instantânea no Ocidente e em casa. A guerra, chamada na URSS de "Grande Guerra Patriótica de 1941-45", foi um período de relativa liberdade de expressão artística, anota Richard Taruskin, especialista em música russa. "As primeiras e fáceis vitórias dos Exércitos de Hitler na Ucrânia, onde a população local quase deu boas-vindas aos invasores, tratando-os como libertadores, assustaram Stalin, levando-o a relaxar a censura e repressão política, num esforço para reconquistar a boa vontade dos intelectuais e artistas, e mobilizá-los para a guerra de propaganda."Por isso, e depois de ter sido publicamente humilhado seis anos antes, por sua ópera "Lady Macbeth de Msensk", Shostakovich viu-se alçado à condição de símbolo da resistência, ícone do regime. Em todo caso, releve-se que compôs a gigantesca Sétima Sinfonia - que a Osesp e Marin Alsop apresentam, em concertos desta quinta a sábado. Se sua sinfonia seguinte, a oitava, foi muito bem recebida pelo regime, é importante não esquecer que outra, a quarta, composta após o escracho público que sofreu em 1936, ficou na gaveta e só estreou depois da morte de Stalin, nos anos 50.Usado pelo regime, Shostakovich foi mestre no manejo do que Gil Delannoi chama de "linguagem musical apta a manifestar a submissão ou resistência por meio de um sutil agenciamento de traços estilísticos organizados por subentendidos". Ou seja, e justamente pelas características da música instrumental, a música escancaradamente programática - como esta sétima sinfonia, cujos quatro movimentos "ganharam" os seguintes subtítulos informais: A Guerra; Lembranças; Os Grandes Espaços de Minha Pátria; e A Vitória - costuma receber dois tipos de audição. A do momento em que é escrita, com forte conteúdo ideológico e emocional. E o da posteridade, historicamente distanciada, em que a música se impõe pelas próprias qualidades de invenção. Aqui, é útil recorrer ao raciocínio de Adorno: o alcance político de uma obra não depende das posições políticas de seu autor; ele sempre as transcende, porque o valor da obra está, definitivamente, no seu "conteúdo de verdade". Adorno com certeza não concordaria com sua frase aplicada a Shostakovich. Mas agora, vistos, tanto Adorno quanto Shostakovich, a cerca de oito décadas de distância, observa-se que não fazia mesmo sentido o pensador crítico redimir Mahler e crucificar o russo.Por isso, e vocês vão notar, não seria um equívoco afirmar que esta possivelmente é a mais mahleriana das 15 sinfonias de Shostakovich. Pois mistura o destino pessoal e o da memória coletiva, entremeia gestos sonoros grandiloquentes (o imenso Allegretto, com quase meia hora de duração, ou o Allegro final, de cerca de 20 minutos), com episódios refinados e quase camerísticos (o belíssimo Adagio, beirando os 20 minutos). Completa o programa a orquestração da "Chacona" de Bach, realizada pelo regente russo Nathan Rachlin (1906-1979), que fez a estreia mundial da Sinfonia n.º 11 de Shostakovich em Moscou, em 1957. Se você não puder assistir a estes concertos na Sala São Paulo, pode vê-los em transmissão digital pelo portal da Osesp (www.osesp.art.br) no sábado, a partir das 16h30. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.OSESPSala São Paulo (Pça. Júlio Prestes, s/nº). Tel. 3223-3966. 5ª e 6ª, 21 h; sáb., 16h30. R$ 44/ R$ 149 (5ª, 10 h, ensaio aberto R$ 10).

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.