
06 de dezembro de 2012 | 11h17
Ao compositor, rendeu fama instantânea no Ocidente e em casa. A guerra, chamada na URSS de "Grande Guerra Patriótica de 1941-45", foi um período de relativa liberdade de expressão artística, anota Richard Taruskin, especialista em música russa. "As primeiras e fáceis vitórias dos Exércitos de Hitler na Ucrânia, onde a população local quase deu boas-vindas aos invasores, tratando-os como libertadores, assustaram Stalin, levando-o a relaxar a censura e repressão política, num esforço para reconquistar a boa vontade dos intelectuais e artistas, e mobilizá-los para a guerra de propaganda."
Por isso, e depois de ter sido publicamente humilhado seis anos antes, por sua ópera "Lady Macbeth de Msensk", Shostakovich viu-se alçado à condição de símbolo da resistência, ícone do regime. Em todo caso, releve-se que compôs a gigantesca Sétima Sinfonia - que a Osesp e Marin Alsop apresentam, em concertos desta quinta a sábado. Se sua sinfonia seguinte, a oitava, foi muito bem recebida pelo regime, é importante não esquecer que outra, a quarta, composta após o escracho público que sofreu em 1936, ficou na gaveta e só estreou depois da morte de Stalin, nos anos 50.
Usado pelo regime, Shostakovich foi mestre no manejo do que Gil Delannoi chama de "linguagem musical apta a manifestar a submissão ou resistência por meio de um sutil agenciamento de traços estilísticos organizados por subentendidos". Ou seja, e justamente pelas características da música instrumental, a música escancaradamente programática - como esta sétima sinfonia, cujos quatro movimentos "ganharam" os seguintes subtítulos informais: A Guerra; Lembranças; Os Grandes Espaços de Minha Pátria; e A Vitória - costuma receber dois tipos de audição. A do momento em que é escrita, com forte conteúdo ideológico e emocional. E o da posteridade, historicamente distanciada, em que a música se impõe pelas próprias qualidades de invenção. Aqui, é útil recorrer ao raciocínio de Adorno: o alcance político de uma obra não depende das posições políticas de seu autor; ele sempre as transcende, porque o valor da obra está, definitivamente, no seu "conteúdo de verdade". Adorno com certeza não concordaria com sua frase aplicada a Shostakovich. Mas agora, vistos, tanto Adorno quanto Shostakovich, a cerca de oito décadas de distância, observa-se que não fazia mesmo sentido o pensador crítico redimir Mahler e crucificar o russo.
Por isso, e vocês vão notar, não seria um equívoco afirmar que esta possivelmente é a mais mahleriana das 15 sinfonias de Shostakovich. Pois mistura o destino pessoal e o da memória coletiva, entremeia gestos sonoros grandiloquentes (o imenso Allegretto, com quase meia hora de duração, ou o Allegro final, de cerca de 20 minutos), com episódios refinados e quase camerísticos (o belíssimo Adagio, beirando os 20 minutos). Completa o programa a orquestração da "Chacona" de Bach, realizada pelo regente russo Nathan Rachlin (1906-1979), que fez a estreia mundial da Sinfonia n.º 11 de Shostakovich em Moscou, em 1957. Se você não puder assistir a estes concertos na Sala São Paulo, pode vê-los em transmissão digital pelo portal da Osesp (www.osesp.art.br) no sábado, a partir das 16h30. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
OSESP
Sala São Paulo (Pça. Júlio Prestes, s/nº). Tel. 3223-3966. 5ª e 6ª, 21 h; sáb., 16h30. R$ 44/ R$ 149 (5ª, 10 h, ensaio aberto R$ 10).
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