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Oscar Wilde: cem anos depois, nosso contemporâneo

Ele é lembrado como um dos maiores escritores de seu tempo, mordaz, culto e autor de ótimas frases e obras inspiradas

Por Agencia Estado
Atualização:

Terá Oscar Wilde, há cem anos, nos seus últimos dias em Paris, se arrependido de ter posto na vida o gênio e no que escreveu apenas o talento? É verdade que, ao longo desse século de avaliações sobre o homem e a obra, a personalidade artificial e assumida de Wilde tem perdido a vantagem que tinha, em seu tempo, sobre sua poesia, sua prosa e sua dramaturgia. Wilde, que uma homenagem um tanto exagerada chamou de "o primeiro homem moderno", viveu bem a posteridade. Também aí se confundem a vida e a obra na preservação do seu nome e na admiração das gerações que o sucederam. Ícone cultural do homossexualismo, Wilde foi louvado pelo lobby específico, da mesma forma que suas atitudes de dandismo e decadentismo fizeram-no ser cultuado por outras tribos. Por seu lado, uma revisão crítica sempre crescente passou a descobrir na sua obra mais valor do que se acreditava em sua época. Já em 1998, a revista Time assinalou o revival de Wilde, dizendo que o esteta do século 19 emergia agora como uma espécie de Elvis Presley vitoriano celebrado em livros, sites da Internet, peças e filmes. Elvis? Até que é uma comparação interessante, pois como o eterno Rei do Rock, Wilde era um garoto do lugar errado - nasceu em Dublin, na Irlanda, que parecia distar anos-luz da metrópole que era Londres. Ele disse certa vez: "Não sou inglês, sou irlandês - o que é uma coisa bem diferente." Mas tomou conta do cenário cultural londrino durante a vida, tornando-se um ídolo reverenciado depois da morte. Param aí as semelhanças. Wilde, agora homenageado com mostras, debates e montagens em Londres, era um homem extraordinariamente culto para a época, dono de um espírito mordaz, mestre da ironia, autor de frases como "O mundo é um palco, mas a peça tem um elenco ruim". Também foi um dos maiores escritores do seu tempo. E um homem de apetite insaciável, pelas novidades, pela polêmica e por rapazinhos. Oscar Wilde se tornou uma figura pública ainda jovem. Ganhador de um prêmio de poesia na Universidade de Oxford, publicou seu primeiro livro, Poemas, em 1881, aos 27 anos. Surge aí o primeiro escândalo da sua vida. Ele foi acusado de plágio de poetas ilustres como Swinburne, Dante Gabriel Rossetti e Baudelaire. O debate que se seguiu foi explorado pela revista de humor Punch, que projetou o poeta estreante. Este adorou as luzes da ribalta e tornou-se um comentarista implacável dos temas polêmicos da época, como a independência irlandesa e leis de propriedade de terras. Ele também aceitou alegremente a liderança de um movimento que os críticos chamaram de Esteticismo, que incluía, além de Wilde, gente como o crítico Arthur Symons, o autor de sátiras Max Beerbohm e o artista plástico Aubrey Beardsley. Os esteticistas pegaram do naturalismo o conceito da vitória da arte sobre a vida e o levaram ao exagero, mas de certa forma foram a semente das vanguardas estetizantes que surgiriam nos anos 20. O movimento juntava, além disso, o hedonismo de Rossetti e o sensualismo de Swinburne, o socialismo de William Morris que aparecia como salvação contra a mediocridade burguesa, a adoção de liberdade sexual como forma de expressão da personalidade. Aliás, o personalismo romântico de Nietzsche também teve sua influência nesse mix do Esteticismo. Aos poucos, o movimento se tornou a grande moda literária em Londres e Wilde, brilhante e exibido, emergiu nos círculos sociais e artísticos. Mas também virou o alvo dos inimigos dos esteticistas, que não lhe perdoaram o que seria a pouco masculina devoção à arte. Glória das glórias, Wilde foi até satirizado numa opereta de Gilbert e Sullivan. Da tietagem ao cárcere - Com Londres a seus pés, Oscar Wilde concordou em fazer uma temporada de palestras nos Estados Unidos e no Canadá em 1882, anunciando na sua chegada a Nova York: "Nada tenho a declarar além do meu gênio." Vestido de paletó de veludo, calção que ia até o joelho e meias pretas de seda, ele passou um ano dizendo aos americanos que deveriam amar a beleza e a arte. Era seguido por uma corte de fãs, como um roqueiro. Depois, voltou à Inglaterra para fazer palestras sobre esse ano na América. Mas achou tempo para casar com Constance Lloyd e ter dois filhos. Nada mau para o homem que diria: "Solteiros ricos deveriam pagar multas pesadas. Não é justo que alguns homens sejam tão mais felizes que os outros". Pai de família, Wilde passou a trabalhar em jornais e publicou seus belos contos de fadas baseados em folclore irlandês, O Príncipe Feliz e Outras Histórias (1888). Sua escrita hipnoticamente fascinante e seu gosto pelo exotismo surgem nesses textos, mas ele refina seu texto mesmo é na peça, que vira romance depois, O Retrato de Dorian Gray (1890). A história do dândi que mantém um retrato que encerra todos os seus vícios e corrupção, para que, graças à magia, ele se conserve jovem e belo, é uma obra-prima de imaginação e estilo até hoje. Mas na época, Wilde foi acusado de imoral (apesar da autodestruição do protagonista) e defendeu o caráter amoral da arte. O maior sucesso em vida de Wilde, contudo, estava no teatro. Dentro das convenções do teatro francês de então, com suas intrigas sociais e recursos artificiais para resolver conflitos, o talento do escritor para a ironia e o humor, os jogos de palavra e os subentendidos, brilhou para criar um tipo novo de comédia. Seu primeiro êxito, O Leque de Lady Windermere mostrou como ele deu nova vida a uma fórmula já batida. A peça Salomé, que ele escreveu em francês e foi censurada por usar elementos bíblicos, foi publicada em 1894 com as famosas ilustrações de Aubrey Beardsley. A propósito, até pouco tempo, acreditava-se que Wilde é que aparecia numa foto célebre como Salomé, mas estudiosos provaram que se tratava de uma atriz. Um Marido Ideal e A Importância de ser Prudente foram produzidas em 1895; nelas, Wilde usa os elementos convencionais da farsa para, através de uma sátira contundente, expor os males e a hipocrisia vitorianos. Wilde insistia em que a vida imitava a arte e foi o que aconteceu com ele. Com a publicação do ensaio O Declínio da Mentira (1889), ele marcava o início de um tempo em que a revelação de um pecado secreto ou de uma indiscreção levaram à desgraça, como mostrou em várias de suas obras. Seu caso com lorde Alfred Douglas, que ele conheceu em 1891, enfureceu o marquês de Queensberry, pai de Douglas. Acusado de ser um sodomita pelo marquês, Wilde resolveu processar o pai do seu amado, mas vendo a questão virar contra ele pelas provas evidentes e abundantes que havia, Wilde fugiu para a França, onde foi preso e recambiado para a Inglaterra. No processo, Wilde fez uma defesa brilhante, mas foi condenado a dois anos de trabalhos forçados. A maior parte da pena foi passada no cárcere de Reading, que lhe serviu de tema para o poema A Balada do Cárcere de Reading, de 1898. Wilde morava na França, então, devido a uma falência. E tentava se reencontrar como escritor. No poema, de uma beleza sombria, ele tratava das condições desumanas da prisão. No exílio, ele se reencontrou com Douglas e era visitado pelos amigos fiéis, demonstrando, como escreveu Bernard Shaw, "uma inconquistável alegria na alma". Essa semana, a agência Reuters divulgou um novo dado sobre a biografia de Wilde: ele não teria morrido de sífilis, mas de infecção no ouvido. "A tragédia foi que ele tinha uma crônica e destrutiva infecção no ouvido que espalhou-se pelo cérebro e o matou", disse Ashley Robins, médico-pesquisador da Universidade da África do Sul. Essa infecção era comum na "era pré-antibióticos". Seja o quer for que o matou, restou de Wilde o mito, mas esse mito não está só. Acompanha-o uma notável produção literária que, 100 anos depois da sua morte, justifica que ele seja não o primeiro homem moderno, mas um nosso contemporâneo.

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