Os segredos de sete chefs do teatro brasileiro, que remontam 50 anos de história em nossos palcos

Entre hoje e a próximo sexta, 09, a cidade recebe estreias de sete importantes diretores. O 'Divirta-se' foi perguntar a cada 'chef': o que é ser diretor de teatro?

PUBLICIDADE

Por Guilherme Conte
Atualização:

Você sabe como é o trabalho de um diretor de teatro? Se não, não se sinta mal - até porque há diretores e diretores. Entre hoje (2) e a próxima 6ª (9), a cidade recebe em seus palcos as estreias de sete importantes diretores.

PUBLICIDADE

Eles formam um arco de mais de cinquenta anos de trabalho; de certa forma, representam diferentes correntes, escolas, filosofias e até épocas das artes cênicas no Brasil e no mundo. Então, para ajudar você a conhecer como nasce uma peça de teatro, ‘visitamos a cozinha’ responsável por esses espetáculos para perguntar ao ‘chef’: o que é ser diretor de teatro?

Aqui você vai encontrar um pequeno percurso por esses diferentes caminhos de encenação. Há diretores que constroem longos processos de pesquisa, que chegam a levar meses ou até anos entre as primeiras leituras e a estreia - caso de As Troianas.

Outros, com linhas de trabalho muito mais diretas, conseguem levar uma peça ao palco em duas semanas - como aconteceu com esta montagem de Medusa de Rayban.

E é bom que seja assim. São Paulo tem sempre, em média, mais de cem espetáculos em cartaz. É justamente essa diferença de olhares e caminhos que faz nossa cidade única em todo o Cone Sul em termos de riqueza de programação teatral. Que se abram as cortinas.

Mito e morte

Escrita por Gabriela Amaral Almeida, A Travessia da Calunga Grande faz do teatro um navio negreiro para resgatar os mortos anônimos em nossos quase quatro séculos de escravidão. As relações de poder entre os do porão e os do convés, no trânsito Atlântico, ilustram as ambiguidades da mestiçagem do nosso povo. O mito de Édipo foi o ponto de partida da pesquisa. É o fim da trilogia sobre mitos e morte da Cia. Livre, que teve Vem Vai - O Caminho dos Mortos (2007) e Raptada Pelo Raio (2009). Preste atenção em como o uso da iluminação faz com que o navio ora aponte para oeste, ora para leste.

Publicidade

ONDE: Sesc Pompeia. R. Clélia, 93, 3871-7700. Estreia em 08/03. QUANDO: 5ª a sáb., 20h30; dom., 18h30. 150 min. 14 anos. QUANTO: R$ 16. Até 29/4.

Cibele Forjaz

"Acho que o diretor é um construtor de caminhos. O espetáculo não se cria na minha cabeça, na minha mão... O teatro é uma arte coletiva. O diretor é um orquestrador de energias, de olhares, de desejos..." É assim que a paulistana Cibele Forjaz começa a definir seu ofício. "Acho incrível que um trabalho coletivo de fato - na produção, na criação e até na fruição - se mantenha tão vivo em um mundo cada vez mais individualista. É de uma força mobilizadora impressionante." Cibele conta que já sabia que queria fazer teatro desde pequena, com oito ou nove anos. Um pouco maior, lá pelos 15, sentia que a direção era o que lhe chamava. "Olhava tudo aquilo e pensava no todo." E aí vieram o Teatro Oficina, o Arena, a Barca de Dionisos... "Não acredito em talento. É estudo, estudo, estudo, E trabalho, trabalho, trabalho..."

 

O horror da guerra

PUBLICIDADE

Remontagem de 2008, As Troianas - Vozes da Guerra foi inspirada no texto homônimo de Eurípedes e leva as sobreviventes da Guerra de Troia para um campo de concentração nazista. A criação do espetáculo foi ‘enxugando’ o texto, dando relevo às ações. As mulheres não falam, só cantam; os soldados, que falavam só alemão na primeira montagem, agora falam português. A peça marca a abertura da sede do Núcleo Experimental, em uma cada vez mais teatral Barra Funda.

ONDE: Núcleo Experimental. R. Barra Funda, 637, Barra Funda, 3259-0898. Estreia em 09/03. QUANDO: 6ª, sáb. e 2ª, 21h; dom., 19h. 75 min. 16 anos. QUANTO: Grátis. Até 19/3.

Zé Henrique de Paula

Publicidade

Foi na Faculdade de Arquitetura que Zé Henrique de Paula acabou dando seus primeiros passos no teatro - como cenógrafo, trabalhando com J. C. Serroni e Antunes Filho. "Eu queria encontrar um caminho para a manifestação da ficção. É importante ter esse espaço na vida", lembra. Zé se diz um absoluto apaixonado por atores. "Tento chegar completamente desprovido, sem impor uma visão. Só sabemos que peça vamos fazer enquanto estamos fazendo." Foi com A Comédia dos Erros, em 1987, que o caminho da direção se abriu. E por que fazer teatro? "Na sociedade urbana contemporânea é muito fácil as pessoas ficarem anestesiadas, por todo tipo de pressão. O teatro é um dos poucos lugares de resistência para se tentar um antídoto. Não gosto do mundo aí fora. Se há alguma fagulha, é o teatro."

 

30 anos esta noite

Em altaCultura
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

Escrita em 1996, Medusa de Rayban conta com escracho a história de quatro matadores de aluguel que, justamente por encararem seu ofício com tanto esmero, acabam se metendo em situações ridículas. O elenco é todo de amigos, como Nelson Peres, André Cecatto, Paulo ‘Picanha’ de Tharso e o mítico Paulo César Pereio, o macho mais macho do cinema e do teatro brasileiros. Esta peça foi o ‘cartão de visitas’ da companhia na chegada a São Paulo, em 1996. O boca a boca lotava o CCSP.

ONDE: Estação Caneca. R. Frei Caneca, 384, Consolação, 2371-5744. Estreia em 03/03. QUANDO: 4ª a sáb., 21h; dom., 20h. 80 min. 16 anos. QUANTO: Pague quanto puder. Até 1/4.

Mario Bortolotto

"Direção para mim é a coisa mais extenuante. Atuar é diversão. E escrever é necessidade." Este é o londrinense Mario Bortolotto, um homem de teatro da cabeça aos pés. Sua carreira nas artes cênicas começou no seminário, do qual seria expulso. "Sempre soube, desde pivete, que era isso que eu queria fazer." Vieram então anos de passar fome, rodar o País em todo e qualquer festival que pudesse se apresentar. E é assim que sua companhia Cemitério de Automóveis chega ao notável feito de 30 anos de existência - comemorados com este projeto no Estação Caneca. "O teatro é o nosso último foco de resistência, o último bunker." Seu método é direto. "Quando escrevo, já estou imaginando a fala, quem vai fazer isso, onde vai estar... E aí para dirigir, já sei tudo o que quero. É por isso que conseguimos montar tão rápido, em 15 dias." É feliz assim? "Quase nunca. Sou infeliz, mas me divirto."

 

Publicidade

Mestre eterno

Um acerto de contas de um longo relacionamento entre um homem e uma mulher é o cerne de Paraíso, escrita por Dib Carneiro Neto. O convívio forçado expõe os cantos mais íntimos da relação: crises, paixões, angústias - e as violências que o cotidiano traz. Vinte jovens atores formam o coro e interpretam o filho ausente do casal protagonista.

ONDE: Sesc Belenzinho. R. Pe. Adelino, 1.000, 2076-9700. Estreia em 09/03. QUANDO: 5ª a sáb., 21h30; dom., 18h30. 60 min. 18 anos. QUANTO: R$ 24. Até 8/4.

Antônio Abujamra

Não à toa, o programa de TV que ele apresenta se chama Provocações. Nascido em Ourinhos em 1932, Antônio Abujamra é um dos pilares fundamentais da renovação estética dos nossos palcos nos anos 60 e 70, ajudando a trazer a obra e as ideias de Bertolt Brecht. Suas primeiras experiências como ator e diretor datam do fim da década de 50. Seu notório pouco apreço por ser entrevistado não fugiu à regra. Abujamra não quis dar entrevistas, mas respondeu o que é, para ele, ser diretor de teatro : "É mais fácil do que britar pedras." Assim definiu a crítica Maria Lúcia Pereira no programa da peça O Inspetor Geral, em 1994: "(...) este homem que consegue ser paradoxalmente sarcástico e carinhoso. Vejo-o construir e destruir cenas e marcações, alterar textos, acrescentar e suprimir falas. (...) Vejo erguer-se uma encenação moderna. Que se aproveita da experiência dos antecessores, que valoriza tanto a visualidade quanto a palavra, num sábio equilíbrio..."

 

Feridas abertas

Inédita no Brasil, a ácida comédia Brincando com Fogo, de August Strindberg, traz um casal entediado que cria um perigoso jogo de discussões e desafios. Surge assim um questionamento sobre os limites dos relacionamentos e do casamento. A peça acontece em uma ‘instalação cênica’, uma bolha inflável, sugerindo a atmosfera de um experimento com animais.A montagem apresenta dois finais possíveis para a história: o original, de Strindberg, e a visão do grupo.

Publicidade

ONDE: Sesc Pompeia. R. Clélia, 93, 3871-7700. Estreia nesta sexta, 02/03. QUANDO: 6ª e sáb., 21h30; dom., 19h30. 70 min. 14 anos. QUANTO: R$ 20. Até 8/4.

Nelson Baskerville

Nelson Baskerville costuma brincar que é um "velho diretor novo". Isso porque, apesar de mais de duas décadas de trabalho com teatro amador e docência, sua primeira direção ‘oficial’ foi só em 2005, com ‘17 x Nelson’. Baskerville é parte de uma efervescente geração de criadores. "Direção é visão de mundo. E eu vejo um mundo caótico, sujo, mas que tem alguma espécie de organização que é maravilhosa." Seu teatro é, portanto, agressivo, imperfeito, mas também poético e amoroso. "Fazemos isso para melhorar o mundo, mas sem o véu da religião, por exemplo. Admitindo o mundo como ele é, e buscando nele o sublime. Tennessee Williams dizia que é a arte de criar um mundo paralelo. Estamos mexendo com arte, e isso pressupõe revolução. Nosso papel é manter as feridas abertas."

 

Uh, uh, uh, que beleza!

Sucesso de público como há algum tempo não se via no Rio de Janeiro, Tim Maia - Vale Tudo, O Musical é baseado na biografia do cantor escrita por Nelson Motta. A peça acompanha a vida de Tim desde sua infância, em um formato mais ‘artesanal’ de musical. Deve lotar. A montagem já tem um grande mérito: a revelação do ator Tiago Abravanel, que vive o cantor.

ONDE: Teatro Procópio Ferreira. R. Augusta, 2.823, Jardins, 3083-4475. Estreia em 09/03. QUANDO: 5ª e sáb., 21h; 6ª, 21h30; dom., 18h. QUANTO: R$ 50/R$ 150. Até 24/6.

João Fonseca

Publicidade

"Não me vejo fazendo nenhuma outra coisa que não seja dirigir teatro." Mas nem sempre foi assim na vida de João Fonseca. Ele conta que acabou sendo levado para isso. Em 1997, Fonseca foi convidado por Antônio Abujamra a codirigir O Casamento, de Nelson Rodrigues. E aí uma coisa se seguiu à outra. "O diretor é uma espécie de maestro, de condutor, que escuta as diferentes visões e as organiza em uma visão de projeto, de todo", avalia. "Poeticamente, eu diria que é um sonhador. É a busca da criação de uma verdade, a cumplicidade com a plateia, essa presença tão real. Isso é único no teatro."

 

 

Aos pés da santa

Foi tentando compreender os caminhos que o trouxeram até aqui que o Folias d’Arte começou a criar A Saga Musical de Cecília, de Carlos Francisco e Dagoberto Feliz. O espetáculo é um cruzamento de três grandes fontes: a vida de Santa Cecília, histórias do bairro de mesmo nome e experiências vividas ao longo dos 15 anos do grupo. Um mosaico vivo e afetuoso de vidas.As músicas da peça são retiradas de espetáculos anteriores do grupo.

ONDE: Galpão do Folias. R. Ana Cintra, 213, S. Cecília, 3361-2223. Estreia em 09/03. QUANDO: 5ª a sáb., 21h; dom., 19h. 75 min. 14 anos. QUANTO: R$ 30. Até 3/6.

Danilo Grangheia

O paulistano Danilo Grangheia nunca teve um desejo claro de ser diretor. Seu barato mesmo é ser ator. Foi pelas mãos de Marco Antônio Rodrigues, o diretor do grupo até o último trabalho (‘Êxodos’, de 2010), que Danilo acabou por dirigir o ótimo Nunzio (2009), de Spiro Scimone. "Foi um desafio tentar anular o olhar do ator para dirigir, escapar da armadilha de pensar ‘como eu faria isso?’", diz. Ficou claro para ele que era necessária uma mudança de ótica. "O diretor exerce a função de completar o time. Você exerce um papel de pensar o trabalho, dialogando com os atores, que são a alma do teatro. É criar um olhar estético sobre algo." E, mais do que tudo, é um espaço de encontro. "O teatro é uma maneira de olhar o mundo. Sempre achei a ficção mais interessante e instigante que a realidade."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.