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Os novos fados de Zambujo

Por Roberta Pennafort e RIO
Atualização:

Artista português de alcance planetário, António Zambujo vem remoçando o fado não apenas na forma, mas também em seu conteúdo. Não são só o jeito de cantar, a delicadeza da voz, a sonoridade que incorpora sons de outras paragens, como o Brasil e a África. Como se ouve em Quinto, o CD que o cantor alentejano lança com shows em São Paulo (Tom Jazz, dias 19, quando faz 37 anos, e 20) e Rio (21, 22 e 23, na Caixa Cultural), as temáticas das canções falam à contemporaneidade, a linguagem é mais coloquial do que a do gênero-símbolo de Portugal."O objetivo é sempre de que as letras sejam as mais modernas possíveis, para que cheguem aos mais jovens. Quero cantar algo com o qual me identifico. Não faz sentido falar de caravelas", diz Zambujo, que tem entre seus letristas constantes João Monge (que assina cinco faixas) e Rodrigo Maranhão (da encantadora Maré). Para Quinto, ele contou ainda com um inspirado José Eduardo Agualusa (Milagrário Pessoal, título também de um livro do escritor angolano).O fado mais tradicional tem seus representantes nas doídas Só Pode Ser Amor ("a saudade é a foz depois é tanto mar"), Rua dos Meus Ciúmes (a única regravação num mar de inéditas) e Noite Estrelada, mas o tom das faixas tende menos à melancolia e mais ao frescor de uma paquera. Como em Lambreta, em que a moça é chamada para uma voltinha de motoca e instada a esquecer "o tal Vilela", um ricaço que tem "carro e barco à vela": "Se ele é tão tão e tem tem/ tem que ter algum defeito".É uma das faixas em que há um narrador a contar uma historinha. Outra é Algo Estranho Acontece, que fala de um casal maduro, a velhinha com seu "ar ruim", "a ruga a espreitar no espelho", "a artrite, a hérnia e a muleta". Em Queria Conhecer-te Um Dia, o caso é de uma busca por amor pela internet. "A procura teve zero resultados", lamenta. "Se as músicas perdem em melancolia, ganham em outras coisas", ele acredita. O inconfundível som do violão português, o baixo, o cavaquinho (instrumento tradicional em seu país, de onde partiu para o Brasil e a África) estão praticamente em todo o CD. Em Flagrante, sente-se um cheiro de samba."O resultado do disco reflete todas as minhas influências, que vão do fado à música brasileira e à de Cabo Verde", conta Zambujo, presença frequente aqui desde 2007, quando o CD Outro Sentido saiu pela MP,B Discos/Universal. Em 2010, veio Guia. Além de Maranhão, Márcio Faraco e autores mais antigos, ele já gravou Ivan Lins e dois Vinicius.A referência maior, o que o tragou para cá, foram a voz e o violão de João Gilberto. As portas se abriram, ele acredita, quando Caetano lhe deu seu aval - "Zambujo faz pensar em João e em tudo que veio à música brasileira por causa dele", escreveu o baiano sobre Outro Sentido. É isso. E muito mais, como avalia Agualusa: "Cantadas por Zambujo, todas as coisas ganham uma luz de princípio de mundo."

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