''Os músicos vivem sob ditadura''

Maestro interrompe concerto para criticar direção do Teatro Municipal

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Por João Luiz Sampaio
Atualização:

O maestro Marcelo Ghelfi interrompeu o concerto que realizava na noite de quinta-feira com a Sinfônica Municipal para fazer críticas à direção do Teatro Municipal. Após cerca de uma hora de música em homenagem ao compositor Astor Piazzolla, o bandoneonista Rodolfo Mederos, solista da apresentação, deixou brevemente o palco e Ghelfi se dirigiu à plateia presente no Sesc Pinheiros, dizendo que os músicos do Municipal vivem sob uma ditadura, proibidos de se manifestar sobre suas condições de trabalho, e criticando o cancelamento de apresentações depois da saída do maestro Alex Klein do posto de diretor artístico e regente-titular, no começo de fevereiro.Ghelfi, que é pianista e arranjador da Jazz Sinfônica, foi chamado por Klein, empossado em outubro, para montar a programação da série Municipops, em que a Sinfônica Municipal interpretaria obras de autores que trafegaram entre o popular e o erudito. No começo de fevereiro, no entanto, Klein pediu demissão, alegando diferenças artísticas com a direção do Municipal, afirmando não ter condições de desenvolver um projeto artístico consistente. O Municipal, em reforma desde 2009, seria reaberto em abril, mas a reinauguração foi adiada para junho; os músicos da casa, a maior parte empregada por meio de contratos provisórios de trabalho, ficaram três meses sem receber salários - os vencimentos de dezembro foram pagos apenas na semana passada. Com a saída de Klein, foi nomeado diretor artístico o maestro Abel Rocha."Quando assumiu, o maestro Rocha disse aos músicos e à imprensa que nenhum concerto seria cancelado. No dia seguinte, no entanto, recebi um e-mail dizendo que a apresentação em homenagem ao compositor Edmundo Villani-Cortes, prevista para a semana passada, não iria acontecer. Segundo a direção executiva, esta havia sido uma decisão artística; segundo o diretor artístico, foi uma decisão administrativa", disse Ghelfi. "Dos doze concertos programados para a série Municipops, sete não vão acontecer." Antes do concerto Ghelfi havia agradecido a presença do maestro Rocha, mas foi comunicado de que ele não havia comparecido.Ao questionar o cancelamento, Ghelfi diz ter recebido um e-mail no qual a direção do Municipal o comunicava que ele não seria pago pelo trabalho na série, e pedindo a ele que não falasse do assunto com os músicos e se limitasse a temas artísticos. "Eu não falo por mim e, com relação aos meus direitos, minha advogada é que vai negociar com o teatro. Eu não preciso desse emprego. Mas não posso ficar calado ao ver pelo que esses músicos estão passando. Eles vivem sob constante ameaça, estão proibidos de falar sobre a situação deles, são ameaçados e precisam em muitos casos se humilhar para manter os empregos. Fico agoniado com essa situação e já encaminhei ao prefeito Gilberto Kassab uma lista de coisas que vi e ouvi nesses meses em que estive no teatro."Bastante aplaudido pela plateia, Ghelfi se dirigiu também aos músicos da orquestra que, do palco, acompanhavam seu pronunciamento. "Protejam-se, unam-se. Eles podem atacar um ou outro músico, mas não podem atacá-los enquanto grupo. É hora de superar as diferenças ideológicas e artísticas que há entre vocês. E vocês, aqui na plateia, apoiem essa orquestra, lutem por ela."Em nota oficial, a Secretaria Municipal de Cultura diz ter recebido "com estranhamento" as declarações de Ghelfi. "Não há orientação da direção do Teatro Municipal de São Paulo para que os artistas do Municipal não discutam assuntos com a imprensa. Esta gestão, inclusive, restituiu a liberdade de expressão ao revogar a chamada Lei da Mordaça. A transparência é, mais do que uma meta, uma obsessão desta administração", diz o texto. E continua: "A situação trabalhista dos artistas do Municipal é a mesma há 20 anos. A Secretaria Municipal de Cultura reconhece que ela não é ideal e encaminhou, no final do ano passado, à Câmara Municipal de São Paulo, projeto de lei que altera o regime jurídico do Teatro Municipal, transformando-o em uma fundação de direito público." Sobre o cancelamento do concerto dedicado a Villani-Cortes, diz a nota, "o maestro Abel Rocha, dentro das suas obrigações, cancelou o concerto em razão de não ter tido acesso ao programa e dessa forma não poder garantir a qualidade artística da apresentação."

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