Os mágicos pintores da Praça da Sé invadem a Fiesp

Mostra Operários na Paulista reúne a produção dos artistas do Grupo Santa Helena, formado nos anos 30, ao qual pertenciam Francisco Rebolo, Alfredo Volpi, entre outros

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Por Agencia Estado
Atualização:

A mostra Operários na Paulista, concebida e organizada pela diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC), Elza Maria Ajemberg e por Daisy Peccinini, responsável pelo acervo do museu, é resultado da parceria entre o MAC e a Fiesp que, apresentando ao público o conjunto de individualidades peculiares e personalíssimas dos integrantes do Grupo Santa Helena, revela quanto as artes plásticas podem atingir de transcendental, de documental e de lição. As obras apresentadas encantam pelo brilho sensível e contido, voltado para a captura honesta da atmosfera que permeia a paisagem, a figura ou a cena enfocada. Os terras e os tons cinzas se mesclam aos verdes, aos azuis e aos amarelos, rebaixando a luminosidade tropical e quase tornando palpável a umidade relativa do ar nas paisagens de Zanini, Humberto Rosa, Rebolo, Volpi e Rizzotti que tratam de um mundo calmo que se esvai: o mundo da economia rural, da natureza que tomba nas periferias e nas cidades pequenas. Há nostalgia nisso? Sim, ela transcende das telas, transpassa o registro iconográfico e nos passa um clima poético, um sentir recolhido. A exposição que o MAC montou na Fiesp é espetacular. Os pintores paulistas que se conjugaram na segunda metade dos anos 30 em duas pequenas salas do Palacete Santa Helena (demolido em 1971), na Praça da Sé, ressurgem, quase 70 anos depois com a lição de humildade que impuseram a si mesmos e com a correção de seus posicionamentos; com o olhar dirigido para baixo (no sentido de apontar o lado mais sofrido e mais pobre), mas voltado para cima (no sentido de vencer as suas circunstâncias pessoais e históricas pela aplicação no trabalho, sem se deixar atordoar pelas buzinas modernista). A rigor, o grupo não foi um movimento e nunca teve pretensões canônicas. "Foi transformado em movimento pelos intelectuais", como esclareceu um de seus fundadores, o ex-craque de futebol Francisco Rebolo. Não se sabe se teria sido Sérgio Milliet, Mário de Andrade ou Paulo Mendes de Almeida o primeiro a se referir e aos "rapazes do Santa Helena". Ao escrever sobre Clóvis Graciano, Mário de Andrade apontou a condição original desses artistas, "pelo menos vindos de operários ou de gente de pequenos recursos econômicos e culturais". Certo é que em fins de 1934 Rebolo alugou a sala número 231 do Santa Helena para cuidar de sua pequena empresa dedicada à pintura de casas e prédios. Ele e Zanini lidavam com "pintura ornamental". Faziam florões, floreios, guirlandas e pequenas paisagens nas paredes e tetos das residências mais caprichadas. Como queriam fazer "pintura artística", resolveram freqüentar o curso livre de desenho da Escola Paulista de Belas Artes. Logo viram que aquela orientação, fortemente acadêmica, não era o que buscavam. Com outros insatisfeitos, como Clóvis Graciano (pintor de tabuletas, porcelanas e vagões ferroviários da Sorocabana), Manuel Martins (aprendiz de ourives), Fúlvio Pennacchi (açougueiro italiano que havia estudado pintura em Luca e Florença) e Alfredo Rullo Rizzotti (torneiro mecânico) passaram a reunir-se no Santa Helena. Aldo Bonadei, que havia estudado com Pedro Alexandrino e se aperfeiçoado na Academia de Florença, Itália, trabalhava com bordados e aliou-se ao grupo. Humberto Rosa, professor de desenho no Colégio Dante Alighieri, e Alfredo Volpi, também pintor ornamental de paredes, o completaram. Zanini alugou a sala 233, vizinha de Rebolo. E todos rachavam as despesas, encontrando-se à noite para desenhar, pintar naturezas-mortas, trocar idéias. Nos fins de semana saíam para pintar os arredores da paulicéia. Autodidatas, não tinham espaço nem público para viver de sua arte. Eram rejeitados pelos acadêmicos e pelos modernistas. Mas não desistiram. Começaram a ser reconhecidos em 1937, na primeira exposição da Família Artística Paulista, com todos os rapazes do Santa Helena participando ao lado da grande estrela modernista Anita Malfatti, entre outros. A Família Artística Paulista apresentou-se ainda em 39 em São Paulo e em 40, no Rio. A partir daí o grupo foi-se dissolvendo. Para o presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva, "essa exposição revela o papel social da arte e oferece registro histórico do inimaginável crescimento da industrialização paulista no século 20". Operários na Paulista: MAC USP e Artistas Artesãos. De terça a sábado, das 10 às 20 horas; domingo, das 10 às 19 horas. Agendamento para escolas pelo 3284-3639. Galeria do Sesi. Avenida Paulista, 1.313, tel. 3284-0405. Até 19/1. Inaugura hoje, às 19 horas

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