Os limites do som, e da própria vida

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Por João Luiz Sampaio
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Em 1908, recluso na cabana à beira do lago de sua propriedade em Toblach, às voltas com o início da composição de sua Nona Sinfonia, Gustav Mahler escrevia a seu amigo Bruno Walter: "Se quero recobrar o controle sobre mim mesmo, preciso me entregar novamente aos horrores da solidão. Perdi toda clareza e tranquilidade. E agora que estou perante o nada, no fim da vida me descubro um iniciante, devendo uma vez mais aprender a caminhar". Mahler (1860-1911) buscou definir em sua obra um conceito de indivíduo e de relação com o mundo, isso durante a passagem do século 19 para o 20, período marcado por intensas transformações sociais, políticas, no campo das ideias - e, acima de tudo, por um ser humano novo, descortinado pela psicanálise. A Nona faz parte de um momento particularmente complicado de sua vida. Poucos anos antes, ele perdera a filha de 4 anos e descobrira que sofria de um problema incurável no coração, que lhe tiraria a vida. Além disso, depois de anos à frente da Ópera de Viena, havia deixado o cargo, em meio a uma disputa política.Não por acaso, a sinfonia incorpora muitas das obsessões do compositor - morte, desejo, natureza, fim, recomeço. Tudo isso em diálogo com as questões estéticas da época. Escrito em um período de transição entre a tradição romântica e a música moderna, o primeiro movimento, por exemplo, brinca com convenções ao mesmo tempo que sugere novos caminhos para a escrita musical. Sensação semelhante, ainda que por caminhos distintos, provoca o adágio final. O sentimento de urgência nas cordas sugere que a profundidade emocional está ligada indissociavelmente à linguagem formal; e parece nos levar aos limites máximos da melodia: ao fim do som, da própria música; e da vida.

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