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Os jovens anos de uma rainha e seu direito de errar

A cinebiografia de Vitória, com Emily Blunt, pode ser romântica, mas também trata de questões importantes

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

 

Emily Blunt. Mais bela que a rainha Vitória e servida um por figurino impecável

 

 

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É uma fantasia histórica, porque a história de amor de Vitória e Albert, por mais bela que tenha sido, dificilmente teve todos os lances romanescos - melhor dizer, novelescos - com que a ornamenta o diretor Jean-Marc Vallée, com base no roteiro escrito pelo prestigiado Julian Fellowes. O roteirista, você deve se lembrar, ganhou o Oscar da categoria por Assassinato em Gosford Park, em que Robert Altman, com a cumplicidade dele, diluiu o clássico A Regra do Jogo, de Jean Renoir, por meio de uma intriga policial à Agatha Christie. Vallée e Fellowes agora usam a love story da mais longeva rainha inglesa (64 anos no trono) não propriamente para defender o direito de amar, mas para defender outro direito, o de errar, mostrando que o erro faz parte da experiência humana e que ninguém cresce se não transformar os próprios erros em aprendizado.

A Jovem Rainha Vitória, em cartaz nos cinemas desde sexta-feira, é um belo filme. A maneira mais óbvia de explicar esse belo é referindo-se aos cenários e figurinos que enchem os olhos e o filme, por sinal, contemplado com o Oscar do melhor guarda-roupa, para Sandy Powell. Mas o belo vai além da estrutura audiovisual e da incorporação da música à imagem. Refere-se à experiência humana da rainha, que adquire um sentido universal. O longo reinado de Vitória não interessou tanto ao cinema quanto o de outra ilustre predecessora, Elizabeth, cuja personalidade dominadora e apetite voraz por sexo inspiraram diversos filmes. Vitória foi mulher de um só homem, Albert, mas seu reino atravessa um dos períodos cruciais da história inglesa - a transformação do país numa sociedade industrial.

Talvez, antes de passar adiante, seja curioso enumerar algumas das vezes em que o cinema se voltou para a rainha Vitória. Nos anos 1950, Romy Schneider, na fase pré-Sissi, interpretou Os Jovens Anos de Uma Rainha, que conta, de maneira fantasiosa, como Vitória conheceu Albert sem saber que ele era seu pretendente e fazendo juras de amor eterno ao desconhecido que, no final, era o príncipe que a própria História (com maiúscula) lhe escolhera. No outro extremo, nos anos 1970, Billy Wilder usou a velha Vitória para desvendar o mais misterioso segredo de A Vida Íntima de Sherlock Holmes - o mistério dos sete anões, no episódio do roubo dos planos de uma nova arma para mudar o curso das batalhas marítimas.

 

Veja também:

Trailer. Assista cenas de 'A Jovem Rainha Vitória'

 

Maquinações. A Vitória de Wilder era uma velhinha minúscula, nem de longe lembrando a beleza de Romy Schneider - ou a de Emily Blunt, no filme atual. Parecia outra anã, integrada à história, e se vestia de preto, como parece ter sido, na realidade, nas décadas que se seguiram à morte do seu Albert. Ao descobrir que a grande vantagem do submarino seria o ataque surpresa ao inimigo, Vitória escandalizava-se e, em nome do cavalheirismo e das boas maneiras - como assim, um ataque sem dar tempo ao outro de se preparar? -, ordenava que os planos fossem arquivados. O mundo seria outro, se a ordem tivesse sido cumprida.

Na versão de Jean-Marc Vallée, os infortúnios de Vitória começam aos 11 anos, quando ela é nomeada herdeira do trono e o amante de sua mãe tenta forçar a menina a assinar um termo de regência, que lhe daria o poder na alcova real. O filme começa justamente neste período e trata da resistência da menina Vitória, que vai ganhar um aliado em Lorde Melbourne. Mas ele também visa seus interesses, ou os de seu partido, e o verdadeiro aliado da rainha será esse príncipe estrangeiro que outro rei preparou para conquistá-la, na certeza de que, assim, estaria servindo a seus interesses. Esse príncipe é Albert, que se apaixona sinceramente e, em vez de governar por Vitória, lhe propões uma aliança - reinarem juntos. Mais do que isso, ele lhe dá o mais valioso conselho, justamente durante uma partida de xadrez. O poder é um jogo e quem quer exercê-lo com sabedoria deve-se preparar para superar as maquinações do adversário.

A mãe de Vitória erra ao se colocar nas mãos do amante, paga por isso, mas se redime. A própria Vitória, confundindo força com teimosia, adota atitudes impopulares que levam o povo a protestar diante do palácio. É o segundo filme, após A Rainha, de Stephen Frears, a retratar os perigos pelos quais passou a monarquia britânica. Ambos encerram lições sobre como o monarca esclarecido não pode estar contra seu povo. O turning point, a grande virada de Vitória, ocorre após o momento em que ele está a ponto de perder seu marido e seu príncipe. É quando ocorre o atentado. O atirador, emergindo da multidão, dispara contra a carruagem real. O que ocorre ali - veja o filme para saber - muda tudo. À bravura de um (Albert), responde a dignidade de outro (o Chanceler). Vitória foi uma grande rainha e exerceu seu poder com propriedade, mas teve grandes homens a seu lado, nos momentos decisivos.

O filme pode e deve ser visto como um romance, mas as intrigas de bastidores e a discussão sobre os limites constitucionais ao direito divino são muito interessantes. Em outro filme em cartaz, Robin Hood, de Ridley Scott, o espectador, descobrindo o herói antes da lenda, assiste justamente ao momento em que uma rebelião de nobres e do povo tenta impor limites ao poder divino do rei. Séculos mais tarde, é de novo o limite que se apresenta. A Jovem Rainha Vitória não só enche os olhos. Mesmo como fantasia romântica oferece matéria para reflexão.

 

A JOVEM RAINHA VITÓRIA

Direção: Jean-Marc Vallée. Drama. The Young Victoria, EUA-Reino Unido/2009, 100 min. Cotação: BOM

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