PUBLICIDADE

Orlando Marcucci expõe em São Paulo

Por Agencia Estado
Atualização:

Orlando Marcucci tinha 36 anos quando resolveu enfrentar a luz. Era advogado, procurador da Caixa Econômica Federal, mas já tinha escrito 1.200 artigos sobre cinema e teatro para publicações diversas em São Paulo. Participava de uma certa boemia intelectual, acompanhando Fernando Góis - maravilhosa mistura de Zé Carioca e escritor, amigo de Mário de Andrade, etc. - pelos desvarios da Paulicéia. Por acaso, teve um encontro com o italiano Paolo Cioli, seu vizinho, que fazia experimentações no campo da pintura. Por curiosidade, começou a pintar. Mas a entrada no mundo da pintura para valer, foi quando o poeta concreto Ronaldo Azeredo o apresentou a outro italiano, Alfredo Volpi, já com 74 anos. O resultado dessa trajetória pode ser conferido neste mês na mostra de Marcucci montada nos salões da empresa Degussa Dental, que será aberta sexta-feira, para convidados. Por causa de Volpi Marcucci abandonou seus exercícios amadorísticos com o óleo e passou a dedicar-se aos riscos da têmpera, de tradição medieval, que o mestre ítalo-brasileiro lhe ensinou. "Porque a técnica é absolutamente difícil, você mesmo tem de fazer a composição química da sua pintura." O óleo qualquer pessoa pode comprar num empório artístico, mas, se o artista não souber preparar a têmpera, não poderá utilizar o resultado. Seus contatos com Volpi eram de natureza técnica. "Nós só discutíamos a qualidade e a densidade da têmpera." Entre os dois havia uma identidade de natureza artesanal não de identidade cultural. Segundo Marcucci, a influência que recebeu não foi do grande artista Volpi, mas da própria têmpera: "Se você não sabe manipular a têmpera, você morre na hora." A diferença entre eles está no fato de que Volpi sempre foi um pintor temático. E Marcucci muda de tema a cada tela ou desenho. Nessa opção pela liberdade explica-se por que ele, apesar da prática já antiga, permanece fora do mercado da arte, embora seu trabalho tenha o reconhecimento de colegas e artistas de outras áreas, como o poeta Florivaldo Menezes e o músico Willy Correa de Oliveira, que escreveu uma composição a partir de um de seus quadros. Um comerciante chegou a lhe propor que pintasse 40 quadros de pequenas dimensões, porque as residências atualmente são pequenas e, portanto, o artista deveria adaptar-se às condições do mercado. Marcucci mandou o homenzinho passear. Volpi não o chamava pelo nome, mas apenas por "Pittore", pintor em italiano. Ao mesmo tempo, conservou o hábito de relacionar-se não só com artistas plásticos, mas com escritores. E escritores que faziam ponte entre as linguagens, como os poetas concretistas - ele é autor de um belíssimo retrato do poeta Haroldo de Campos. Sempre manteve contato intenso com a produção literária e plástica brasileira e faz questão de dizer que sua posição de cavaleiro solitário não pode ser confundida com a do artista isolado numa torre de cartas. Lê muito, vê muito, mas prefere não citar nomes. Para ele, o julgamento crítico atualmente se resume ao jogo da mídia, que, na sua profusão e difusão, pode atrapalhar, dificultando a detecção do realmente expressivo no meio da mixórdia. A Internet abre uma rede de possibilidades e de equívocos. Ocorre que, apesar da possibilidade de divulgação, o artista continua operando numa área restrita, que fica muito pouco além da sua ação cotidiana. Isto é, no âmbito da própria angústia. Uma das faces dessa angústia, para Marcucci, está na busca de uma expressão inédita a cada tela, explicando por que expulsou aquele homenzinho e sua proposta indecente do ateliê. Aponta um quadro amplo ao fundo e diz que distender aqueles temas abstratos por 200 quadros seria fácil, mas, nessa prática de desorientação, o fundamental não está na descoberta de um veio de ouro, mas de um veio de chumbo, o material de segunda categoria. "Você pode descobrir no cotidiano mais infame uma essência que representa a própria realidade do seu coração." Marcucci diz que não se importa com o futuro de sua obra nem pretende reconsultar as coleções do Louvre e do Metropolitan nem reler Machado, Dostoievski, Joyce e Eliot, evitando o lugar-comum de buscar referências sagradas. "O artista tem de admitir até a própria mediocridade para fazer uma obra contemporânea - a única coisa fantástica que temos é que ainda hoje estamos vivos." Ou seja, expostos ao desafio. Desafio que, para Orlando Marcucci, se centra basicamente na luz e na transparência obsessiva de suas telas. Na linha da melhor poesia contemporânea ele diz: "A luz vem da gema ou da clara, dentro da têmpera. Então, muitas vezes a luz não é uma descoberta sua, a luz você obtém de meio material, por meios técnicos, pela gema e pela clara." Isto é, no ovo. Serviço - Evento Degussa Dental. Com mostra de Orlando Marcucci. Abertura na 6.ª, 19 h, para convidados. 14 a 30/8, 8 às 17 h. Al. Campinas, 579, tel. (11) 3146-4190.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.