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Orador emocionado, mas firme, apesar do tombo pela manhã

Por Carlos Granés
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Em 1967, um jovem perfilou-se diante do júri do premio Rómulo Gallegos para pronunciar um discurso exaltado em que expunha seu credo literário. E o disse dessa forma: literatura é fogo, inconformismo, rebelião. É o antídoto com que pode contar uma sociedade para não se petrificar e seguir aspirando à perfeição humana, sem se perder nas brumas do conformismo e da autocomplacência.Nesta terça, 7 de dezembro de 2010, 43 anos depois daquele mesmo discurso, Mario Vargas Llosa provou que sua paixão pela literatura continua ardendo com a mesma fúria do passado, quando era um escritor na casa dos 30 anos, com dois romances e um livro de contos publicados. O salão da academia sueca, com seus treze lustres de cristal espalhados pelo teto, ornamentos dourados e aquela porta mágica pela qual, a cada ano, desponta o acadêmico vai revirar a vida do escritor, pois ali todos vibraram com as palavras do homenageado, como se quem as proferisse não fosse um veterano de 74 anos, dezenas de prêmios e livros nas costas, mas aquele mesmo jovem de outrora a renovar sua paixão.O discurso de aceitação do Nobel, cujo título é "Elogio da Leitura e a Ficção", resumiu em poucas páginas as ideias e os valores de Vargas Llosa, bem como as experiências vitais que fizeram nascer, e vingar, sua vocação literária. Percorrendo um caminho sinuoso, ora aproximando-se ora afastando-se da autobiografía, o peruano voltou a insistir no poder da literatura para desenvolver o espírito crítico, o inconformismo e a insubmissão, qualidades indispensáveis para o progresso social e a sobrevida da liberdade. A evidência de que a literatura é uma baforada de independência, disse ele, reside na tenacidade com que regimes autoritários a perseguem. Escritor que coloque sobre o papel seus desejos e suas fantasias é a prova mais viva da liberdade e a ameaça mais forte para quem quer controlar a vida dos cidadãos. Esta é a ideia-chave que alimenta o exercício literário de Vargas Llosa. Por isso, para ele, a literatura é mais que simples entretenimento.Apesar de ter amanhecido afônico nesta terça e de ainda por cima ter levado um tombo, justamente quando um fotógrafo pediu que posasse escorado em uma cadeira, ainda assim conseguiu ler com voz amena o discurso. Só houve um momento em que, pela primeira vez na vida deste orador curtido em aparições públicas, a voz de fato fraquejou. Foi quando enumerava as imagens que para ele representam o Peru, sua terra natal - Arequipa, o bairro "limeño" de Miraflores, o jornal La Crónica, o Colégio Militar Leoncio Prado. Daí mencionou a mulher, encarregada de todos os assuntos práticos da vida para que ele possa se dedicar a escrever. Foi neste momento que todos, plateia incluída, não controlaram a emoção. Pode ser que Patricia Llosa tenha razão quando o provoca dizendo que "Mário, você só serve para escrever". Os acadêmicos suecos concordam. E que seja esta a razão pela qual outorgam a ele, nesta sexta, o Nobel de Literatura de 2010. CARLOS GRANÉS, ANTROPÓLOGO COLOMBIANO, É ESPECIALISTA NA OBRA DE VARGAS LLOSA. FOIORGANIZADOR DE SABRES E UTOPIAS, REUNIÃO DE ENSAIOS E ARTIGOS DO AUTOR PERUANO (OBJETIVA)

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