Ópera pop e fama rápida impedem o surgimento de granded tenores

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Por MIKE COLLETT-WHITE
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O cantor lírico visto como o maior tenor de sua geração morreu. A ascensão da "popera" (fusão do pop e da ópera), a obsessão pelo estrelato instantâneo e o limitado grupo de talentos entre os tenores da atualidade significam que não veremos outro como ele por muito tempo. Luciano Pavarotti, que morreu nesta quinta-feira aos 71 anos, foi diferente de qualquer outro tenor, dizem os críticos, porque reunia uma voz lírica graciosa com carisma, em doses tão grandiosas quanto era grande seu corpo. Ele também conhecia suas próprias limitações, e, por isso, restringiu seu repertório para não aceitar papéis que não fossem adequados para ele, evitando cantar em línguas demais. O importante crítico de ópera Norman Lebrecht disse que a falta de investimentos em músicos e gravações clássicas atualmente significa que encontrar um sucessor para Pavarotti será mais difícil que nunca. "Não valorizamos a ópera da mesma maneira (que no passado), não fomentamos o talento da mesma maneira, nem criamos uma trajetória profissional mais fácil", disse o crítico à Reuters. Lebrecht afirmou que é quase impensável, nos dias de hoje, que um garoto italiano que crescesse em Módena, a cidade natal de Pavarotti, optasse por uma carreira na ópera em lugar do futebol, outro dos grandes amores do cantor. "O sucesso no futebol e no cinema é muito maior, mais recompensador e mais rápido, comparado ao trabalho árduo necessário para criar um grande cantor de ópera". Hugh Canning, crítico de ópera do jornal britânico Sunday Times, afirmou que os tenores de talento atuais, em sua maioria, não passaram tanto tempo quanto Pavarotti alimentando suas vozes e que sofrem pressões para se tornarem vendáveis já no início de suas carreiras. "Hoje em dia se identifica uma voz muito boa, e quatro ou cinco anos mais tarde ela já soa esgotada", disse. Canning citou os exemplos do tenor mexicano Rolando Villazón e do argentino José Cura, que vêm cantando no nível mais alto com menos frequência que seria de se esperar para artistas de sua idade. "Acho que é daí que vem a pressão: tentar forçar astros, em lugar de formar e nutri-los de maneira natural." "E agora o mundo quer cantores jovens, para promover suas belas imagens em belas revistas. Pavarotti foi um astro improvável, porque já em meados dos anos 1970 ele era um homem bastante gordo. Se fosse hoje, talvez não tivesse tido uma carreira como a que teve". PROCURANDO A FAMA, E RÁPIDO Canning disse que evitar o aprendizado prolongado exigido na ópera é uma tentação crescente para os cantores atuais, quando os reality shows na TV podem criar celebridades da noite para o dia. "Muitos artistas jovens acham que podem pegar um atalho e não fazer o trabalho necessário. Eles querem glamour, fama e dinheiro rápidos demais". "Para tornar-se um cantor clássico de alta qualidade, não basta vencer um concurso. Pessoas como Pavarotti e Plácido Domingo são prova disso". "O que realmente os tornou grande foi todo o trabalho anterior que fizeram antes de apresentar-se nos palcos internacionais e gravar os discos que recordaremos para sempre", acrescentou o crítico. Especialistas também argumentam que, fora do pequeno círculo dos genuínos amantes do gênero, a maioria das pessoas associa a ópera a cantores como Andrea Bocelli e a banda Il Divo, que fundem música popular e clássica para tentar chegar ao público de massas. A "próxima geração" de tenores é liderada por Villazón e o peruano Juan Diego Flórez. O francês Roberto Alagna tem muitos admiradores, embora sua decisão de abandonar o palco do La Scala no ano passado depois de ser vaiado tenha levantado dúvidas quanto a seu temperamento, como também acontece com o argentino Marcelo Alvarez e o mexicano Ramón Vargas. Flórez, como Pavarotti em sua época áurea, canta os dós agudos de "La Fille Du Regiment", de Donizetti, com facilidade. Mas poucos diriam que ele já se equipara ao mestre que acaba de falecer.

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