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Luzes da cidade

Oligarcas em pele de cordeiro

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Por Lúcia Guimarães
Atualização:

Você acorda e, antes mesmo de escovar os dentes, pega o tablet ou celular na mesa de cabeceira e dá uma olhada no feed de notícias do Facebook. Quanta notícia ruim. Dá vontade de voltar a dormir? Você não suspeita que um dos seus amigos acordou com notícias mais alvissareiras e pulou da cama. Acaso? Não, cientistas do Facebook conduziram um estudo com 689 mil membros, alterando algoritmos e manipulando o fluxo de notícias - negativas e positivas - para observar seu impacto sobre as emoções e a propagação das notícias. Depois de bombardear os membros com notícias diferentes, o Facebook monitorou as postagens dos membros para determinar se refletiam visões positivas ou negativas do mundo.O resultado da pesquisa acaba de ser publicado nos Estados Unidos.É difícil encontrar publicação científica mais respeitada do que Proceedings of the National Academy of Sciences, em que o estudo pode ser lido sob o título Evidência Experimental de Contágio Emocional em Massa Através de Redes Sociais.Mas a editora da pesquisa do Facebook, Susan Fiske, da Universidade Princeton, entrevistada pela revista Atlantic Monthly, se confessou no centro de um dilema ético. Ela disse que a ideia de centenas de milhares de pessoas usadas como cobaias involuntárias é sinistra. Nos Estados Unidos, as pesquisas científicas conduzidas com seres humanos devem, quando parte de instituições públicas, ser aprovadas por um Comitê de Revisão Institucional para terem o selo de respeitabilidade ética e acadêmica. Uma das regras básicas da etiqueta científica é a pessoa que participa de uma experiência dar o seu consentimento. Adivinhem? Todos nós que temos conta no Facebook já autorizamos Mark Zuckerberg a nos usar como cobaias, embora a permissão seja meio vaga, numa referência à pesquisa. Faz parte do acordo de entrada no site, que determina que suas informações serão usadas "para operações internas, que incluem correção de erros, análise de dados, testes, pesquisa, desenvolvimento e melhoria do serviço".Graças aos incautos aqui, cientistas do Facebook e das universidades da Califórnia e de Cornell, estabeleceram que "estados emocionais podem ser transmitidos aos outros por contágio, levando as pessoas a sentirem as mesmas emoções sem terem consciência delas". Considere, então, estar atravessando um momento pessoal particularmente difícil e ter a falta de sorte de ser o rato de laboratório escolhido para ser bombardeado com uma dieta diária de tragédias selecionadas pelo algoritmo do Facebook. Aqui, faço uma pausa para admitir que quem delega ao Facebook a tarefa de selecionar suas notícias já abdicou de muito.A publicação do estudo, que apenas começa a despertar reação sobre sua ética, é uma boa oportunidade para fazer uma pausa e considerar a cultura do Vale do Silício, uma bolha de prosperidade que já saiu de sua última adolescência e se beneficia de uma vaga aura de virtude libertária. O moletom, uniforme usado por Mark Zuckerberg, não o aproxima de um operário de construção mais do que a camiseta furada que uso na ginástica me aproxima de uma refugiada síria na Jordânia. Há sete anos, o Facebook mantém um escritório com lobistas em Washington. Marissa Mayer, ao sair do Google, grávida, para assumir o Yahoo, decretou que os funcionários não poderiam mais "telecommute", trabalhar de casa, algo que faziam, em parte, porque os aluguéis do Vale são proibitivos graças aos milionários techies. O que não a impediu de instalar um berçário no seu escritório.Embora mais de 80% das doações da campanha presidencial de 2012 tenham ido para os cofres do Partido Democrata, é uma ilusão achar que os oligarcas contemporâneos estão afinados com o sufoco da grande maioria que não se beneficia de uma economia intensamente financeira e criadora de poucos empregos. Como disse Marc Andreesen, fundador do Netscape e proeminente financiador de start-ups, ele não vê mais utilidade para os sindicatos, já que as pessoas se vendem elas mesmas e suas habilidades no mercado. Admirável mundo velho.

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