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Obras de Aleijadinho não estão catalogadas

Por Agencia Estado
Atualização:

A polêmica decisão da pesquisadora Lygia Martins Costa, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desautorizando a escultura de São Francisco de Paula, exposta no Masp, como sendo de Aleijadinho (1730-1814) revela um fato estarrecedor: a obra do maior artista do barroco brasileiro ainda não está integralmente catalogada. O único catálogo existente foi editado na década de 60 pelo Museu da Inconfidência de Ouro Preto, por Rodrigo Mello Franco, presidente do Iphan na época. Ele não contempla a totalidade das obras e necessita ser atualizado com novas pesquisas, como reconhece a própria direção do órgão. "As obras do Aleijadinho não podem continuar sendo joguetes do mercado", dispara Angelo Oswaldo, secretário de Cultura de Minas Gerais e um dos curadores da exposição Barroco entre o Céu e a Terra, realizada este ano em Paris. O projeto de catalogação foi abortado, diz ele, com a saída de Mello Franco da instituição em 1968 e nunca mais retomado. "É claro que essa catalogação faz falta e permite especulações envolvendo colecionadores e aventureiros." O Iphan tem inventariado o acervo do artista nos monumentos e igrejas tombados. Nos museus, contudo, há várias obras sem laudo técnico. Respondendo pelo presidente do órgão, o chefe de gabinete Luciano Ramos admite a necessidade de realizar a catalogação, mas não tem previsão de quando ela poderá ocorrer. "Os recursos são sempre insuficientes para contemplar tudo o que precisamos fazer", alega. A chefe do Departamento de Identificação e Documentação da instituição, Célia Corsino, diz que são poucas as obras de Aleijadinho ainda não "protegidas" legalmente. Sem empréstimo - O tiroteio da semana passada envolvendo a escultura de São Francisco de Paula foi o segundo ato do bate-boca entre colecionadores e técnicos em pouco tempo. Há apenas três meses, a curadora do módulo barroco da Mostra do Redescobrimento, Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, atracou-se com o colecionador Renato Whitaker. Ele negou-se a emprestar duas obras de Aleijadinho à exposição, alegando o pequeno destaque dado a dois outros empréstimos seus à última Bienal Internacional de São Paulo. Os ataques continuaram com Whitaker questionando a autenticidade de um Cristo selecionado por Myriam Oliveira para a mostra em Paris. Desgastada com o episódio, a curadora tomou a decisão de não atender mais a colecionadores. "Só dou pareceres para o Iphan, que é a única entidade capacitada para avaliar a origem de obras como essa", diz. A autora de Aleijadinhos, Passos e Profetas reconhece a necessidade de se criar um novo catálogo. "Há o projeto de se instituir uma comissão abalizada pelo Iphan." Mas ela também não sabe quando nem como isso ocorrerá. Paternidade questionada - As razões que levaram o Ministério da Cultura (Minc) a pedir laudo para o Iphan sobre a escultura foram de ordem fiscal. O preço da peça, estimado em US$ 350 mil, caiu, após o parecer de Lygia Martins Costa, para R$ 80 mil, e a empresa doadora, a Pirelli, teve seu enquadramento negado nos benefícios da Lei Rouanet. Até quarta-feira, quando o veredicto da historiadora foi noticiado, a paternidade do São Francisco de Paula parecia inquestionável. A obra consta de um dos mais respeitados trabalhos sobre o artista: O Aleijadinho, do estudioso francês Germain Bazin. Decisão inapelável? O Masp não pensa assim. Já pediu outras pesquisas para checar a origem do trabalho. A polêmica tampouco aumentou o número de visitantes do museu, onde o santo está exposto. Há outras três esculturas de São Francisco reconhecidamente de Aleijadinho. Duas em Ouro Preto, na Igreja de São Francisco e no Museu Aleijadinho, e uma conservada no Museu Arquidiocesano de Mariana. Myriam Oliveira defende as conclusões de sua colega e acrescenta um dado histórico para reforçá-las: "Mais de 50% dos escultores mineiros foram influenciados por Aleijadinho". Mas vem do chefe de gabinete do Iphan, a declaração mais surpreendente de todo o episódio: "Parecer nenhum é incontestável. Alguém pode descobrir amanhã que essa peça é do Aleijadinho."

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