No Recife, dizem que ele é radical. "E sou mesmo", costuma dizer o romancista, poeta e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna, que Domingo completa 75 anos. Não o radicalismo que procura acentuar uma tendência, mas aquele que busca o equilíbrio. Assim, no momento em que a tecnologia atinge um alto grau de desenvolvimento, ameaçando atrelar o homem à técnica, ele reage de maneira dura, evitando o computador e escrevendo seu próximo livro à mão. Ilustrado pelo próprio Ariano, esse texto inédito é apresentado em uma "estilogravura", ou seja, trabalho em preto-e-branco, feito com ponta de metal sobre papel. Há 15 anos ele escreve à mão, desenha e pinta o livro da sua vida, que será finalmente editado em novembro, pela tradicional José Olympio, agora pertencente ao grupo da editora Record. O livro, que ainda não tem título, será o grande momento do projeto de reedição da obra de Suassuna, iniciado no mês passado com o lançamento de duas peças escritas em 1957, O Santo e a Porca (154 páginas, R$ 15) e O Casamento Suspeitoso" (126 páginas, R$ 15). O plano continua com a nova edição de Farsa da Boa Preguiça (escrita em 1960), em julho, e Uma Mulher Vestida de Sol (sua primeira peça, escrita aos 20 anos, reescrita aos 30 e nunca encenada), em agosto. Em todos os textos, a defesa irredutível da tradição brasileira e a manutenção da língua portuguesa sobre a influência estrangeira. Em O Santo e a Porca, Suassuna promove a mistura do religioso e do profano, em que os personagens (todos muitos cômicos) estão inseridos no universo e na ideologia nordestina - a peça estrutura-se em algumas técnicas da literatura de cordel e nos folguedos populares daquela região do País. Dividida em três atos, conta a história de Euricão Árabe, um velho avarento, devoto de Santo Antônio, que esconde em sua casa uma porca cheia de dinheiro. Dinheiro e matrimônio - A sátira social marca também O Casamento Suspeitoso, a menos rural das peças de Suassuna, não apenas pelo tema como pela estrutura. A ação ocorre na casa da matriarca Dona Guida e sua problemática também é doméstica, como em O Santo e a Porca. Em ambos os textos, os personagens pertencem a famílias constituídas e a temática é centrada no interesse pelo dinheiro associado ao matrimônio. Os personagens Canção e Gaspar retomam a tradição do teatro popular, "a dupla circense que o povo, com seu instinto certeiro, batizou admiravelmente de o Palhaço e o Besta", como o autor observa no prefácio. Outros elementos típicos da cultura brasileira utilizados por Ariano Suassuna são o bumba-meu-boi e a propaganda popular nordestina. Ele ainda evoca os empregados espertos e independentes de Molière e da Commedia dell´Arte. A mistura de elementos aparentemente tão díspares confere um tom singular à obra, pois Suassuna exibe uma sociedade voltada para o esnobismo e a difamação - assim, a simpatia do público é naturalmente dirigida aos que se opõem a essa sociedade ou dela são excluídos. "Meu teatro procura se aproximar da parte do mundo que me foi dada", escreve Suassuna, no prefácio. "Um mundo de sol e de poeira, como o que conheci em minha infância, com atores ambulantes ou bonecos de mamulengo representando gente comum e às vezes representando atores, com cangaceiros, santos, poderosos, assassinos, ladrões, palhaços, prostitutas, juízes, avarentos, luxuriosos, medíocres, homens e mulheres de bem - enfim, um mundo de que não estejam ausentes - senão no teatro, que não é disso, mas na poesia ou na novela - nem mesmo os seres da vida mais humilde, as pastagens, o gado, as pedras, todo esse conjunto de que o sertão está povoado."