Objetiva relança "Presença de Anita"

Romance de Mário Donato, de 1948, apenas como inspiração para a minissérie de Manoel Carlos que estréia na Globo na próxima semana

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Por Agencia Estado
Atualização:

Quem já viu as chamadas da minissérie Presença de Anita, que começa a ser exibida na Globo na semana que vem, percebeu que a história se passa nos dias de hoje. E o próprio adaptador, Manoel Carlos, não esconde: usou o romance de Mário Donato, de 1948, apenas como inspiração. "Não se trata de uma adaptação, mas de uma minissérie minha, inspirada livremente em alguns personagens do romance; o clima é o mesmo, mas com toda a implicação que a história teria na atualidade, diferente do que acontecia com ela na década de 40", afirma. Entre as inúmeras mudanças que anuncia, ele fundiu duas das personagens: Anita e Diana. Portanto, haverá uma nova Anita, um pouco diferente da ninfeta que o jornalista Donato (irmão do escritor Marcos Rey) criou e que escandalizou São Paulo no fim dos anos 40 e atingiu, logo após o lançamento, a marca de 50 mil exemplares vendidos (em nove edições), um recorde na época. Esses números só seriam superados dez anos mais tarde por Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado. Essa espécie de precursora brasileira, pelo menos do ponto de vista temático, de Lolita de Nabokov, pode ser reencontrada no livro Presença de Anita, relançado pela Objetiva (300 págs., R$ 26,90). A escritora paulista Lygia Fagundes Telles leu a obra quando foi lançada, mas diz que não se recorda bem do enredo. Conta apenas que tinha uma grande simpatia por Donato e que se lembra, "como se fosse hoje", da polêmica em torno do livro. "O crítico Oscar Pedroso D´Horta escreveu um artigo muito forte, reclamando da importância do sexo no romance." Manoel Carlos, então com 15 anos, conta que, logo após a publicação, leu o livro - escondido. "Depois de lançado, os comentários eram picantes; já se dizia ser um livro proibido, que devia ficar fora do alcance das crianças e adolescentes", diz. "A campanha da Igreja foi terrível, os padres pediam do púlpito para que ninguém o lesse", lembra. As edições que se seguiram à primeira saíram com uma tarja informando que se tratava de "leitura para adulto". Um texto da época informava: era um romance para ser lido apenas "por pessoas adultas e com algumas noções de psicanálise". A confusão foi tanta que a Objetiva, pisando no acelerador do marketing, imprimiu na contracapa e na orelha da nova edição que o romance foi proibido (o que aconteceu, de fato apenas no Rio Grande do Sul e em Minas) e que o autor chegou a ser excomungado. Na verdade, um padre de Itapeva, cidade do interior paulista, chegou a pedir que Donato fosse excomungado. O então cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, achou melhor não tomar partido: sabiamente, percebeu que, se a Igreja Católica tentasse punir o autor ou atacar a obra, ele venderia ainda mais. Segundo a Objetiva, as informações serão corrigidas numa próxima edição. O crítico Sérgio Milliet, na época, defendeu que o autor tinha "qualidades reais de romancista" e que era "a nossa melhor promessa de um possível romance citadino paulista". Diz ainda que o personagem "Eduardo tem momentos de sonho que comovem e não raro alcançam um tom pessoal de verdadeira solidão." Porém, queixa-se do tratamento "naturalista" dado à relação de Anita e Eduardo e do fato de o autor passar do naturalismo à pornografia: "Nesse erro incide mais de uma vez Mário Donato, bastando para provar o que digo citar-se o capítulo da sedução do menor por Anita." "O livro foi impactante pelo que sugeria mais do que pelo que se lia, pois todo ele é uma trama complexa para adolescentes", diz Manoel Carlos. "Mas muitas coisas impressionavam, como o fato de Anita gostar de apanhar. Isso, pelo que sei, veio com Mário antes de Nélson Rodrigues." A comparação com Nélson Rodrigues é boa (especialmente na segunda parte da obra, em que entra em cena Diana, irmã da mulher de Eduardo, Lúcia), até porque Milliet já a havia notado: "Com um simples movimento, pode-se cair no folhetim e é um perigo que o sr. Mario Donato correu, em verdade escapando por um triz de escorregar nas soluções à la Suzana Flag." Flag era, como se sabe, o pseudônimo de Nélson.

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