O virtuosismo paródico de um jovem estreante

Vencedor do Prêmio São Paulo para iniciantes com menos de 40 anos, Jacques Fux destaca-se por riscos assumidos

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Por Moacir Amancio
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Antiterapias, estreia literária de Jacques Fux, é uma narrativa confessional fictícia que opta pelo monólogo verborrágico e não pelo desfiar de episódios numa sequência evolutiva ou involutiva sobre a formação-deformação da personagem. Essa personagem se reduz a um discurso em cascata que incorpora fontes literárias de maneira explícita, incluindo epígrafes para cada um dos capítulos, ou seja, absorve-se e se dissolve em literatura. Uma boa ideia no geral, levada até o fim com rigor, mas isso não significa que seja um acerto em seu todo. O autor pratica o virtuosismo paródico de maneira obsessiva e o que poderia ser o ponto forte do livro corre o risco de se transformar no seu oposto, um sintoma de fragilidade na receita escolhida. O humor desaparece na piada requentada, o excesso de virtuosismo cansa, fica repetitivo e, o que se destinava a conferir vitalidade, vibração ao texto, por vezes torna-se monótono, uma fórmula raiando pelo cacoete estilístico que no limite pode afastar o leitor diante do já visto, num discurso que além de não recuar diante da tagarelice, avança e faz dela o motivo do texto, propondo ao leitor o papel daqueles analistas que ouvem tudo sem dizer uma palavra. Não se trata, porém, de uma relação terapêutica e só resta ao leitor colocar-se na sua posição fundamental, sem o que a obra de arte perde o sentido. Cabe ao leitor romper o monólogo transformando-o em diálogo. Se nós pensarmos o romance como uma arte que faz o tempo se movimentar, também podemos conceber um antirromance que estaca, da ficção paralisada na história. Porque a história - a sequência de fatos reais - está paralisada. É o impasse da personagem narradora, um judeu de Belo Horizonte, capaz de buscar influências e modelos tanto na literatura judaica norte-americana (Roth no horizonte), como na literatura local e europeia com tanta voracidade que pode sofrer de indigestão, banalizando a própria técnica escolhida. Ou seria isso mais um indicador do impasse da personagem e do seu dilema central. Dilema de um judeu preso numa rede de conflitos insolúveis. Educado numa sociedade de predominância cristã que condiciona comportamentos e pontos de vista de alto a baixo, ele também está às voltas com a dinâmica da comunidade judaica e seu debate entre correntes inovadoras e tradicionalistas, e sobretudo a questão da existência pura e simples, tantas vezes impossível, para resumir a problemática rapidamente. O grande objetivo e a tragédia dessa personagem é que ela gostaria de se emancipar de tudo - ou pelo menos diz isso - mas várias vezes, quando está prestes a dar o passo, pondo de lado as pressões internas e externas, esbarra com o fato inelutável da Shoá, o Holocausto, e a persistência do vírus nazista seja em Paris, Londres, São Paulo, Rio, Porto Alegre, ou Belo Horizonte, desta vez na figura de um descendente de Martin Bormann, Danny. Mais do que fantasma, esse descendente é o nó na vida do narrador. Estudam na mesma escola, etc. A cria nazista torna-se um emblema da vertente antissemita que foca na sumária negação de Israel como um país igual aos demais e com os mesmos direitos de existência e autodefesa. A exemplo das demais personagens (à exceção do narrador), Danny é periférico, aparece em notas, como se o protagonista tentasse inutilmente suprimi-lo, pois não se apaga a história e lá está sempre o tranca-ruas que um dia, sem mais aquela, agride o rapaz judeu fisicamente. Este defronta outra vez o beco, o sem saída, o absurdo dessa situação que se perpetua. Um tema da maior gravidade que expõe a ideia segundo a qual discutir a Shoá é discutir o ser humano e sua viabilidade. Uma estreia literária a ser considerada pelos riscos que assume e pelo fôlego da proposta a ser desenvolvida, espera-se, em novas versões e ficções. MOACIR AMÂNCIO É AUTOR DE ATA (RECORD) E YONA E O ANDRÓGINO - NOTAS SOBRE POESIA E CABALA (NANKIN/EDUSP), E PROFESSOR DA USPANTITERAPIASAutor: Jacques FuxEditora: Scriptum(168 págs., R$ 45)

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