23 de junho de 2013 | 02h26
Havia certamente um pouco daquele "desejo de voltar mais cedo para casa" de Drummond quando se pegou envelhecendo, "talvez certo olhar, mais sério, não ardente". Na toca, não me ocorreu desfraldar na janela um pano branco, como tanta gente fez, para sinalizar que ali um senhor, ainda que a distância, acompanhava com simpatia o que rolava - e eventualmente corria - em vários pontos da cidade.
Não foi por isso, por geriátrica prudência, que me recolhi à furna, mas longe do Largo da Batata, da Faria Lima, da Ponte Estaiada, da Paulista, estava a salvo da borduna que na semana anterior comera na Consolação. Vinho potável, excelentes castanhas de caju - e eis que pelas tantas, sem a mais remota lufada de gás, me bateu uma baita, uma lacrimogênea emoção, e me vi às voltas com sentimentos ainda agora emaranhados.
Sou desses, admito, que experimentam arrepios cívicos ante os acordes retumbantes e a versalhada tortuosa do Hino Nacional. Na Nova Gnomonia, a engenhosa bolação com que Jayme Ovalle repartiu a humanidade em cinco categorias, eu me encaixo sobretudo como kerniano, movido que sou por impulsos, mas tenho meus momentos de mozarlesco, dos que choram no cinema. Ou diante da TV, ao ver a multidão desatada nas ruas.
Na segunda-feira, um tanto da minha recaída de mozarlesco se devia à regurgitação dos tempos em que, estudante, cheio de gás, minhas aspirações não abstratas incluíam o lacrimogêneo da ditadura militar (menos suportável que o de hoje, lembrou outro dia o Elio Gaspari), numa correria que num belo, num feio dia culminou no interior de um camburão e numa cela onde passaria um mês. Foi ao tempo de uma barra ainda relativamente leve, na tarde em que o Congresso Nacional, com os milicos no cangote, aceitou a escalação do nada elevado Costa e Silva para a Presidência da República.
Desculpe entrar nesse assunto, mas é duro envelhecer. Não recomendo. Não tem vantagem alguma, e, ao contrário de seu objeto, que declina, a mensalidade do plano de saúde vai dobrar. Não dependeu de mim, juro, pois me via como genuína vocação de jovem. Fui ficando, e aconteceu. Mas por inércia, em todo caso, por antiguidade, por falta de morrer, você vai acumulando, além de ferrugem, já não digo sabedoria, porém manhas. O sábio Pedro Nava dizia que tais aquisições de nada servem para quem chegou depois, pois são faróis que iluminam para trás.
A que vem esse papo deprimente? Permita-me acender meu modesto farol e jogar uma luzinha baça sobre dois caminhos que não raro se abrem à frente dos que amadurecem. Há quem, inconformado, esperneie e, patética, patetamente, se ponha a macaquear o jovem que já não é. Você conhece essa turma para-a-frente que pinta os cabelos existencialmente.
E há quem, na mão oposta, finque o pé e se refugie lá atrás, conferindo empedernido reacionarismo ao belo verso do espanhol Jorge Manrique, para quem "qualquer tempo passado foi melhor". Costumam ser ex-combatentes que, vindos do outro lado, envelheceram para a direita, no sentido não só político da palavra. E tome saudosismo, tome autocomplacência. Como era verde o meu vale. A juventude de hoje não sabe das coisas. Passeatas eram aquelas nossas, na ditadura militar, todos nós jovens, puros e idealistas, de mãos dadas, caminhando e cantando e apanhando, irmanados na trincheira da liberdade. Muito legal aquele mês que eu passei em cana. Ali, outrora, diria Raimundo Correia, retumbaram hinos.
Aqui, ó. Melhor esquecer esses dois tipos. Quem sabe na rua a gente (se) descobre coisa melhor? Pode levar as castanhas de caju. E o vinho, claro, também ele envelhecido.
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