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O tempo que teima em não ser linear

Roteirista de filmes de Iñárritu, Arriaga fala de sua primeira direção em Vidas Que Se Cruzam, com Charlize Teron

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Guillermo Arriaga conversou pelo telefone, no fim do ano passado, com o repórter do Estado. Ele sabia que estaria indisponível quando seu longa de estreia na direção estaria sendo lançado no Brasil - a previsão era março - e resolveu se antecipar. Contou que, como a maioria de seus roteiros e livros, The Burning Plain - Vidas Que Se cruzam, no Brasil - nasceu de uma experiência real, uma imagem que ele viu, quando garoto, e que o marcou para sempre. "Devia ter 9 ou 10 anos e brincava com outros garotos da vizinhança quando vimos aquele fogo. Uma casa próxima havia incendiado. Ficamos vendo o fogo consumir a construção quando alguém disse as palavras terríveis - "A família ficou presa lá dentro. Estão sendo cozinhados vivos." Aquilo incendiou meu imaginário. Nunca me desvencilhei daquela imagem."Arriaga se tornou conhecido no mundo do cinema graças à sua parceria com o diretor mexicano (como ele) Alejandro González-Iñárritu. Fizeram três filmes - Amores Brutos, 21 Gramas e Babel. Quando o terceiro estreou no Festival de Cannes, a colaboração artística já cessara. Arriaga e Iñárritu romperam no processo de uma disputa pela autoria dos filmes. Os críticos desconfiavam e Arriaga meio que induzia a discussão sobre o verdadeiro autor daqueles filmes - ele. Havia, por isso, muita expectativa por Vidas Que Se Cruzam. O relato "multiplot", com várias tramas cruzadas e uma estrutura circular, é típico dos roteiros que Arriaga escrevia para Iñárritu. Lançado no Festival de Veneza de 2008, The Burning Plain sofreu um processo curioso. As primeiras críticas, de jornalistas da França, Espanha e Itália, foram muito favoráveis. E, então, houve uma crítica devastadora de Variety, a bíblia do show business dos EUA. A partir daí, Vidas Que Se Cruzam foi, como se poderia dizer, para o brejo.O filme trata de segredos de família. Arriaga conta quem foi sua maior influência. "Li tudo de (William) Faulkner, até as cartas. É o meu escritor favorito." Vidas Que se Cruzam é o seu tributo a O Som e a Fúria, carregando em sugestões de erotismo e incesto que remetem ao clima decadentista do sul dos EUA, descrito pelo escritor. A maior lição que ele acredita ter recebido de Faulkner é que cada história exige uma maneira particular de ser contada. "O roteiro de Burning Plain pode ter similaridades com o de 21 Gramas, por exemplo, mas é muito diferente, e não apenas por causa de Alejandro (González-Iñárritu). Também difere de Os Três Enterros de Melquíades Estrada (que Tommy Lee Jones protagonizou e dirigiu)."Há um vínculo misterioso unindo a jovem Mariana, que tenta recompor o casamento de seus pais numa cidade junto à fronteira do México; a bela Sylvia que, em Portland, faz sexo com desconhecidos e Gina, sua mãe ainda em forma e que tem um amor clandestino; e Maria, cujo pai sofre um acidente de avião. Quatro mulheres e duas delas são interpretadas por estrelas famosas de Hollywood, Charlize Theron (Sylvia) e Kim Basinger (Gina). Arriaga conta como foi montar o elenco. Charlize interessou-se pelo material, almoçaram e ela imediatamente deu seu aval. Com a garantia de Charlize, ele teve acesso a Kim e ela também se interessou pela personagem. Ambas trabalharam por menos do que normalmente cobram, pela vontade de estar no filme.A grande pergunta é - como essas vidas se cruzam? Qual é o elo? É a grande sacada do roteiro, mas, como nos roteiros de Arriaga para Iñárritu, chega o momento em que a dramaturgia parece fake, uma construção arbitrária, com marionetes em lugar de gente, para que o diretor e o roteirista - aqui, a mesma pessoa - possam dizer alguma coisa. Arriaga explica seu trabalho com o tempo - "Existe uma crença de que a maneira correta de narrar é linear, mas a verdade é o oposto. Se você reparar, as pessoas, quando contam, alguma coisa, vão e vêm no tempo, fazem digressões, comentam o que dizem. É isso que faço na minha literatura e, agora, no meu cinema. Ainda estou aprendendo, mas este filme, sim, eu posso dizer que é meu."QUEM ÉGUILLERMO ARRIAGAESCRITOR E CINEASTACV: Nascido na Cidade do México, em 1958, Guillermo Arriaga é formado em Comunicação e História. Autor de romances e roteirista premiado do cinema de seu compatriota Alejandro González-Iñárritu, ele escreveu Três Enterros, que virou grande filme de Tommy Lee Jones e agora estreia como diretor.

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