O SUINGUE DE RAVEL

Tugan Sokhiev e Bertrand Chamayou em concerto luminoso

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Direto ao ponto: o russo Tugan Sokhiev, de 35 anos, quatro a mais do que Gustavo Dudamel, pode bem ser qualificado como a versão europeia do menino de ouro venezuelano. É tão seguro quanto Dudamel, exibe o mesmo fogo interior na condução da orquestra e é esplendidamente musical. Além disso, parece mais sólido na concepção das obras que rege. O pianista Bertrand Chamayou, de 31 anos, nascido em Toulouse e solista do concerto de anteontem com a orquestra de sua cidade natal na Sala São Paulo, também é músico de exceção. Sua performance no concerto em sol de Ravel, especialidade de Martha Argerich, foi estupenda. Touché preciso, sentido de frase emocionante e articulação arisca.Impressionou sua integração com a orquestra, algo complexo nesta obra que precisa funcionar como um reloginho suíço de mil e uma diminutas engrenagens que geram um suingue irresistível. Suingue sim, porque Ravel estava enamorado do jazz quando o escreveu. Amigo francês preferencial de Gershwin, conheceu-o em 1923, em Paris; voltaram a se ver quando Ravel fez uma turnê anos depois pelos EUA. Como um Zelig genial, emulou Gershwin, ultrapassando-o em refinamento de escrita - criou praticamente uma obra-prima da música norte-americana em plena Paris de 1930.Concerto luminoso, numa viagem de um século pela melhor música francesa. As três obras respondem à questão: como compor algo novo? Quando pensou na Sinfonia Fantástica, em 1830, em pleno frenesi amoroso pela atriz irlandesa Harriet Smithson a quem dedicou a obra, Berlioz escreveu numa carta: "Preparo uma composição musical de um gênero novo por meio da qual vou impressionar fortemente minha plateia." Cinco movimentos nos quais a ideia fixa passeia obsessiva. E uma orquestração de embasbacar. A Fantástica pode ser lida como música de programa, que "narra" este caso de amor, mas também como música pura. Foi o que fez Tugan Sokhiev, à frente de uma orquestra regional francesa de surpreendente qualidade.Debussy já chegou à cena musical parisiense anunciando publicamente: "Não disponho de precedentes aos quais me remeter e me vejo obrigado a criar formas novas." Prélude à L'Après-midi d'Un Faune oferece pouco mais de 10 minutos de pura magia sonora, desde o início hipnotizante da flauta solo. Sokhiev já mostrou as armas numa leitura levíssima, transparente de uma música que caminha se deixando levar pelo puro prazer sonoro."Há mais substância em L'Après-midi d'Un Faune do que na maravilhosamente imensa Nona Sinfonia de Beethoven", disse Ravel. E completou: "Os compositores franceses atuais trabalham com telas pequenas, mas cada pincelada é vital." Tugan Sokhiev, Bertrand Chamayou e a Orquestra do Capitólio de Toulouse conseguiram mostrar, em um só concerto, o charme refinado (e "vital", como queria Ravel) da música francesa.Crítica: João Marcos CoelhoJJJJ ÓTIMOJJJJJ EXCELENTE

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.